Ir para o escritório, por quê?

Claudia Roxo Carneiro
clubedaescrita.cc
Published in
5 min readNov 18, 2023

Graças a existência da internet de qualidade e os dispositivos tecnológicos, somos capazes de trabalhar a partir de qualquer lugar. Mas o que torna diferente a realização das atividades de forma presencial no escritório?

O ambiente do escritório planejado tem potencial de comunicar sobre a natureza do trabalho, direcionar nosso foco e influenciar um comportamento esperado. Percebemos o espaço de forma instintiva e somos afetados por ele.

Por exemplo, ambientes com cores vivas e layouts disruptivos podem nos contar sobre um espaço de inovação e tecnologia. Enquanto ambientes com design mais ortogonais e tons neutros como cinza e bege descreve um ambiente com trabalhos mais burocráticos e com uma gestão mais formal.

Devido a pandemia do Covid 19, as empresas foram obrigadas a colocar todo o seu corpo de funcionários no trabalho remoto. Quase quatro anos depois dessa experiência, as empresas encontram resistência por parte dos colaboradores para o retorno ao trabalho 100% presencial.

De acordo com um estudo da KPMG, 62% dos executivos gostariam que o modelo presencial voltasse a ser adotado e consideram formas para premiar funcionários que optem por trabalhar todos os dias no escritório.

Quais características o ambiente de trabalho precisa assumir para influenciar o retorno das atividades presenciais?

Afinal, a diferença entre o trabalho presencial e o trabalho remoto não pode estar apenas relacionada ao fato de ligar o mesmo dispositivo em um endereço diferente.

Como surgiram os espaços de escritórios?

Se fizermos uma retrospectiva, os espaços de escritórios surgem após a primeira revolução industrial para atender as demandas administrativas das fábricas. Ao longo de sua evolução histórica, podemos notar que o projeto do seu espaço sempre esteve condicionado às premissas administrativas.

No início do séc XX, influenciados pelo modelo organizacional criado por Frederick W. Taylor para produção fabril, os primeiros layouts de escritórios eram extremamente rígidos e padronizados. Seguiam o conceito de que quanto mais padronizados os espaços mais eficiente seria o trabalho. As mesas e cadeiras do escritório eram todas do mesmo padrão e o ambiente era organizado com uma mesa ao lado da outra como uma linha de montagem no chão de fábrica.

Nas décadas de 50 e 60, os espaços de trabalho passaram por uma grande transformação.

Houve um crescimento no setor de serviço que resultou no aumento da demanda por empregados nos escritórios. A ambiência de trabalho foi pensada com propósito de valorizar o trabalho no escritório e atrair os trabalhadores.

A teoria administrativa também passava por um processo de transformação, pautada nos estudos científicos realizados entre 1927 e 1932 pelo laboratório da fadiga de Harvard, realizados na empresa Hawthorne Works da Western Eletric Co.

O objetivo da pesquisa era analisar a rotina de trabalho para entender como diminuir a fadiga e aumentar a produtividade. Dentre as conclusões obtidas é possível destacar três pontos importantes:

  • Momentos de pausa durante o trabalho aumentam a produtividade;
  • A importância das relações humanas dentro dos ambientes de trabalho;
  • O convívio entre gerentes e funcionários aumenta o engajamento.

Surge nesse período o conceito de escritórios que ficou conhecido como escritório panorâmico: a organização do espaço era determinada pelo fluxo do trabalho e não pela arquitetura do edifício. Em um ambiente totalmente aberto sem a barreira de salas fechadas, favoreciam a comunicação.

Algumas questões como problemas de acústicas e descontentamento de executivos com o fim da sala privativa, fez com que essa proposta de design de interiores sofresse alguns ajustes e adaptações. Desta forma, alguns escritórios mantiveram um layout mais rígido, com salas fechadas com divisórias de vidro piso-teto para executivos próximos às janelas e a equipe reunida em um espaço aberto na parte central do edifício.

A humanização dos ambientes era alcançada pelo uso de cores, plantas e obras de arte decorativas. O design dos equipamentos, mobiliário e iluminação, tudo era pensado para tornar cada vez mais agradável o ambiente corporativo e o mais distinto possível do ambiente fabril.

Redesenhar futuro

Temos a oportunidade de redesenhar o escritório do futuro, o que vamos fazer?

O escritório do futuro não pode ficar preso no conceito do ambiente como controlador de produtividade. As pessoas experimentaram o trabalho remoto e adquiriram novos hábitos, algumas delas relataram que se sentiram mais produtivas no trabalho remoto.

Segundo a Google Icloud Consultoria, a união entre o conforto do trabalho em casa e a convivência com os colegas de equipe é o que grande parte dos brasileiros espera do futuro do trabalho.

A flexibilidade no local de trabalho, nos traz a possibilidade de pensar novos modelos de gestão. De encontrar formas de trazer relevância para o encontro presencial.

Estar presente em um escritório, um ambientes de trabalho físico, tem uma dimensão simbólica e psicológica significativa,capaz de otimizar a rotina dos trabalhadores. Além das questões materiais, os espaços físicos abrigam a cultura, as memórias e os sonhos das pessoas.

Quando falamos em formas de premiar funcionários para retornarem ao trabalho presencial, por que não pensar no espaço como o grande diferencial para essa escolha?

Redesenhar o escritório significa pensar em novas formas de distribuição do espaço. Criar diferentes possibilidades de trabalho e encontro.

Iluminação agradável, mobiliário ergonômico, espaços decorados e atraentes, não são o suficiente para atrair os colaboradores.

Um dos desafios do projeto de interiores corporativo é encontrar o equilíbrio entre o espaço social e o espaço reservado, o conceito open space, onde toda a equipe trabalha no mesmo ambiente e com mesas agrupadas, uma evolução do escritório panorâmico, favorecendo a troca de conhecimento, integração e engajamento entre equipe. Por outro lado, atrapalha momentos de concentração individual e expõe a perda de privacidade dos colaboradores. Segundo a percepção de alguns funcionários, ambientes de trabalho assim são intimidadores, a sensação é que qualquer comportamento ou ligação está sendo observado pelos colegas.

De acordo com a neurociência, quando estamos trabalhando com a atenção controlada, os ruídos e interrupções não são bem-vindos e a necessidade de controlar o ambiente aumenta. Agora quando estamos realizando atividades rotineiras e automáticas conseguimos tolerar melhor as distrações.

Um modelo de escritório com diferentes ambientes de trabalho, espaços abertos com mesas compartilhadas que favoreçam a troca e a colaboração e outro mais reservado, mesmo que seja um ambiente coletivo, porém reservado para o silêncio, como as bibliotecas, para trabalho que exige concentração. Ambientes de pausas como espaços de café, que promovam encontros e convivência, áreas ao ar livre com ventilação e vegetação.

O espaço de escritório pensado para atrair os colaboradores deve ser visto como um recurso.

Não podemos nos iludir com a comodidade da vida on-line e pensar que os espaços elaborados e dedicados para o trabalho não fazem falta. Tão pouco nos iludimos com espaço focados apenas em tendências estéticas.

O projeto bem elaborado deve focar na interação das pessoas com o ambiente, trazendo soluções que enriqueçam a experiência.

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