O ponto não é mais o que a IA pode fazer, mas sim o que faremos com ela

Elaine Campos
clubedaescrita.cc
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6 min readApr 26, 2023
Pintura abstrata sobre inteligência artificial Reprodução/Dall-E 2

É até engraçado dizer isso, mas a IA (inteligência artificial) já virou feijão com arroz. Está todo dia ali, posta na nossa frente. É só ler algumas notícias ou navegar pelas redes sociais, para se deparar com uma nova polêmica sobre seu uso. Esquecemos que há outras inteligências convivendo com a gente todos os dias. E ainda faltam questões éticas para lidar com todas elas.

O termo inteligência artificial começou a ser usado por um grupo de cientistas, nas conferências de Dartmouth, em 1956. Nascia com eles um novo campo de estudo. De lá para cá, estudiosos, cientistas e outros apaixonados por tecnologia têm buscado maneiras de estabelecer comportamentos inteligentes nas máquinas.

Para nós, que estamos do outro lado e somos impactados pelos avanços desta tecnologia, há aqueles que enxergam na IA um grande inimigo, que pode roubar empregos, manipular dados e ainda superar a inteligência humana. E existem também os que, como eu, a veem como o impulso para um futuro repleto de possibilidades — com avanços na saúde, mobilidade, aprendizagem, meio ambiente e até prevenção de crimes.

Pode parecer ingenuidade ou falta de conhecimento profundo sobre o tema? Talvez, porque compreendo que há muitos motivos para temer os impactos da IA.

Enquanto eu escrevia esse texto, surgiram vários fatos novos sobre os usos dessa inteligência. Alguns que fazem rir, como as selfies simuladas em vários períodos da história, trazendo um grupo de homens das cavernas sorridentes fazendo pose. E outras, de causar um certo pânico, como quando uma música com a voz clonada de dois artistas famosos vira sucesso nas redes sociais.

Tecnologia é um assunto complexo. Cada programa, sistema, interação ou inteligência é projetado com um propósito, que nem sempre é totalmente claro, e muitas vezes se perde no caminho. Da concepção à comercialização, um projeto passa por muitas mãos e tem que atender a diferentes interesses. Com isso, é difícil prever todos os desdobramentos éticos, sociais e econômicos que podem ser gerados.

Acredito que a IA pode trazer o melhor e o pior do ser humano. O que ela nos apresenta é um reflexo da própria inteligência humana.

A verdade é que, em qualquer grupo que esteja, dificilmente você vive hoje sem a IA como parte do seu cotidiano. Ela está no seu celular corrigindo palavras, na Netflix sugerindo filmes, nos seus resultados de busca no Google ou garantindo seu papo com a Siri.

“A tecnologia é um artefato dinâmico que muda a sociedade, mas que também se modifica de acordo com ela”. Diogo Cortiz, cientista cognitivo e futurista.

Quem tem medo da IA

Ter a IA em casa fazendo pequenas tarefas não parece nada assustador. Pelo contrário, nos acostumamos com as facilidades cotidianas que ela nos traz e a integramos sem perceber.

Outra coisa é acordar um dia e ter ali no seu computador um ChatGPT, que segundo ele mesmo é “Um assistente virtual de inteligência artificial, projetado para responder a perguntas e fornecer informações em uma ampla variedade de tópicos. Uma combinação de algoritmos de linguagem natural, aprendizado de máquina e processamento de texto, que permitem entender e interpretar as perguntas dos usuários e fornecer respostas relevantes”.

O ChatGPT pode responder perguntas, escrever poesia e produzir textos bem estruturados. Pode também fazer resumo de livros, escrever campanhas publicitárias e obteve até pontuação suficiente para ser aprovado na primeira fase do exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

Esse fácil acesso a uma ferramenta baseada em IA permite que cada um tenha sua própria experiência com essa tecnologia. O ChatGPT tornou reais os impactos da inteligência artificial na nossa vida, abrindo todo um campo de imaginação que fortalece, para muitos, um futuro distópico.

Os filmes de ficção científica contribuíram muito com essa narrativa. Um clássico é “O Exterminador do Futuro” de 1984, dirigido por James Cameron e estrelado por Arnold Schwarzenegger. O filme se passa em um futuro pós-apocalíptico onde a humanidade luta contra máquinas inteligentes, conhecidas como Skynet, que se tornaram conscientes e declararam guerra contra a humanidade.

Por todos esses impactos, reais ou ainda resultados de especulações que fazemos da nossa relação com a IA, a ética é um ponto central. Como sociedade, não estamos preparados para lidar com milhares de situações que devem surgir dessa relação homem-máquina. A tecnologia avança muito mais rapidamente do que nossa capacidade de discutir, organizar e criar leis e regras que possam mediar essa convivência.

Questões sem resposta surgem de todos os lados. E se a IA se tornar mais inteligente do que nós? E se a IA ganhar tamanha autonomia a ponto de decidir sozinha o que fazer? E se a IA acabar com o meu trabalho? E se a IA se tornar uma tecnologia para poucos e aumentar a desigualdade? E se a IA for dominada apenas por empresas americanas? E se a IA for programada considerando os vieses dos grupos mais privilegiados sem considerar a diversidade? Como a IA vai usar meus dados pessoais?

Essa mudança profunda que a IA representa para a humanidade gerou um movimento inesperado. Em meio a uma corrida entre as empresas que estão buscando desenvolver a inteligência artificial mais poderosa, a Future of Life Institute — instituição de pesquisa sediada nos Estados Unidos — publicou uma carta aberta assinada pelo bilionário Elon Musk e mais de 2.600 líderes e pesquisadores do setor de tecnologia. Eles se uniram para pedir uma pausa temporária no desenvolvimento da inteligência artificial.

O motivo declarado é que “A IA avançada pode representar uma mudança profunda na história da vida na Terra e deve ser planejada e gerenciada com cuidado e recursos proporcionais. Infelizmente, esse nível de planejamento e gestão não está sendo adotado”, defendeu o instituto.

Em sua recente participação no SXSW (South by Southwest) — um dos maiores eventos de inovação da atualidade — a futurista Amy Webb disse: “As pessoas entendem os valores que conhecem, mas não percebem que esses valores também são criados. Podemos inovar e criar novos”.

Webb retrata exatamente o momento que estamos vivendo. Os desafios que surgem com o avanço da IA não cabem naquilo que conhecemos e conseguimos julgar. Precisamos estar abertos a criar valores novos para situações inéditas.

Reimaginando a inteligência

A IA nos traz também uma oportunidade de reimaginar o que é inteligência e como nós impactamos outras formas de inteligência além da humana.

Em seu novo livro Ways of Being: Beyond Human Intelligence, Jammes Bridle diz que a IA está se revelando algo não exatamente humano, pois pensa e aborda o mundo de uma maneira muito diferente da nossa.

Para ele, como resultado de décadas de pesquisas, é possível afirmar que a inteligência é algo muito mais interessante e maior do que a ideia limitada que temos dela. Bridle usa seu livro para entender como podemos acomodar melhor todas as formas de inteligência com as quais compartilhamos o planeta, pois considera essa uma questão central para alcançar a justiça ambiental e o progresso.

Ele acredita que a inclusão de outras inteligências — como a IA e a inteligência da natureza — potencializa nossa capacidade de resolver problemas complexos, na medida que agrega novas formas de pensar.

Esse é um ponto de vista que me atrai bastante. Pensar que diversas formas de inteligência podem colaborar, para resolver grandes desafios da humanidade — e trazer soluções extraordinárias.

Atualmente já se comprova o impacto positivo que equipes diversas podem ter em um projeto. O estudo Why Diverse Teams Are Smarter, da Harvard Business Review de 2016, descobriu que equipes mais diversas têm um desempenho melhor em solução de problemas criativos e inovadores. O resultado aponta que as equipes que incluíam membros de diferentes origens, gêneros e idades tiveram um desempenho 45% melhor em testes de resolução de problemas criativos do que as equipes homogêneas.

Agora, imagine extrapolar esse conceito e ter mais do que a diversidade de mentes humanas.

A IA está aí, como mais uma inteligência para evoluir. O que faremos com ela? Acredito que temos o poder de fazer dela uma revolução a favor da humanidade.

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Elaine Campos
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