O que o julgamento revela

Goreti Pereira
clubedaescrita.cc
Published in
4 min readDec 2, 2022

“Atrever-te a julgar. Julga os outros julgando-te a ti mesmo’.

Trecho do poema Vou-me embora de mim, Joaquim Pessoa.

  • Sou ansiosa, sou preguiçosa
  • Ele é agressivo, egoísta, folgado

Como é para você a ideia de ser mais curioso e menos crítico?

A resposta rápida que chega é que é melhor ser curioso, não é mesmo?

No entanto, a nossa experiência interna e relacional vem permeada pela crítica e pelo julgamento. Muitos de nós fomos educados na linguagem da culpa e da responsabilidade.

Alexandre Coimbra Amaral, psicólogo e escritor, defende a ideia de que desde a primeira infância há a intenção de definir quem a pessoa é como uma marca que a identifica de forma simplista. Ninguém é — ninguém é tão redutível a adjetivos, apelidos, ou até mesmo a poucas histórias.

Para ele, “Os seres humanos são seres de muitas histórias, de infinitas possibilidades e narrativas”.

O julgamento é natural ao ser humano — mas, nem por isso, deixa de estimular a violência e gerar reatividade.

A relação entre linguagem e violência foi tema das pesquisas de O. J. Harvey, professor de psicologia na Universidade do Colorado. Ele tomou amostras aleatórias de obras literárias de países mundo afora e tabulou a frequência das palavras que classificam e julgam pessoas. Para Marshall Rosenberg, psicólogo, esse estudo revela “elevada correlação entre o uso frequente dessas palavras e a incidência de violência”. (Comunicação Não — Violenta — Marshall B. Rosenberg)

Tal constatação denota a violência silenciosa que muitos de nós sequer temos consciência de que praticamos e recebemos.

E temos nossas vidas, não raras vezes, conduzidas sem esse despertar.

E como o julgamento chega no ser humano?

Gostamos de pensar que todos nós damos o benefício da dúvida aos desconhecidos. No entanto, novas pesquisas provam o contrário.

Uma matéria publicada na revista Exame, na data de 26/04/2016, relata que “nossos cérebros processam opiniões e julgamentos sobre as pessoas milissegundos depois de conhecê-las, de acordo com um estudo da Universidade Albert Ludwigs, de Breisgau, Alemanha. Sim, em menos de um segundo avaliamos se gostamos da pessoa ou não”.

Portanto, os julgamentos fazem parte da nossa experiência humana e muitas vezes atuam como mecanismos de defesa produzidos pelo cérebro.

E o que podemos fazer diante do padrão de juízo moralizador a que estamos submetidos e que, ao mesmo tempo, nos desconecta?

A Comunicação Não Violenta não sugere que devemos parar de julgar. Nos oferece um caminho para pensar sobre o julgamento e o quanto ele pode nos revelar. Um exercício de auto escuta.

E quando se materializa o julgamento?

Quando fazemos um juízo moralizador da pessoa a partir de uma determinada situação.

É pensar que o que importa é “Quem é o Quê”.

Contudo, não somos, sempre estamos. Essa consciência é fundamental para compreendermos o movimento da vida e o quanto é inevitável mudarmos.

E o que essa percepção de movimento nos produz?

Traz clareza de que nossos comportamentos não nos definem, embora nos revelem no momento em que acontecem.

Para Marshall, tudo o que nós fazemos é para atender uma necessidade humana universal e o conceito de necessidade para a Comunicação Não Violenta é de algo concreto e diz respeito ao que é vital para cada ser humano.

Já as estratégias são definidas como as formas pelas quais nos utilizamos para atender as nossas necessidades e é nesse plano, que, muitas vezes, se opera o conflito.

Como a Comunicação Não Violenta vê o julgamento?

Comunicamos o tempo inteiro e, como não aprendemos a comunicar com o olhar interno, o julgamento é uma forma trágica que utilizamos para cuidar de algo importante para nós. Assim, quando digo “Você nunca me escuta”, essa é uma forma trágica de querer ser vista, considerada, valorizada.

Não aprendemos a nos comunicar com compaixão por nós e pelo outro.

Identificar o que o julgamento revela nos conduz ao que realmente importa.

Assim, te faço um convite: Do olhar generoso e curioso e, com as seguintes perguntas:

  1. Você consegue identificar o que está por trás desse julgamento?
  2. O que esse julgamento sobre mim ou sobre o outro está tentando cuidar?
  3. Segue o caminho de expressá-lo ou o de ficar remoendo com autocritica e muita imaginação?
  4. Está a serviço de qual necessidade?

Não aprendemos a olhar e a reconhecer as nossas necessidades. Elas têm, como despertador, os nossos sentimentos.

Elas estão no centro dos julgamentos.

E, assim, o julgamento chega com uma nova forma de olhar e acolher — com curiosidade e gentileza. Quem sabe, um amigo para a vida, já que inevitável a sua companhia, que seja para agregar autoconhecimento e, isso facilita os caminhos da fala autêntica e da escuta ativa e gera a conexão, cerne da Comunicação Não Violenta.

Para facilitar a compreensão, vamos juntos analisar um exemplo:

  • “Como você é agressivo!”

O que está por trás desse julgamento? Pode ser uma necessidade de consideração, gentileza e isso revela muito sobre mim. Ter essa consciência facilita a autenticidade e um caminho de conexão.

Se, ao revés, recebo esse julgamento de outra pessoa isso revela sobre ela. Essa consciência, facilita a minha escuta.

Identificar o que o julgamento revela é buscar verdade e clareza nas relações.

Não é mais sobre não julgar. É sobre ter a sua companhia revelada.

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