“Você foi aprovado”. Queria: emprego, recebeu: cupom.

Aline Sharlene
clubedaescrita.cc
Published in
5 min readNov 17, 2023
Ilustração: Elena Lacey https://www.elenalacey.com/

Pense no gatilho que isso causa em alguém que está há meses na busca por emprego, mas ao invés disso foi “aprovado” para receber um cupom de desconto para o produto x que provavelmente a lista todinha de e-mails da marca recebeu também.

Publicidade e marketing são conquistadores de territórios. E quando eles não estão conquistando, criam seus próprios territórios de atuação.

Para onde quer que eu olhe, só vejo marcas. E anúncios de marcas, e promoções de produtos, e publicidades e “compre”. A publicidade se impõe na televisão, em revistas, em outdoors, em pontos de ônibus, em bancas de jornal, em sacolas no comércio, no rádio, em podcasts, em panfleto distribuído na rua, em zilhões de e-mails não lidos na nossa caixa de entrada, no Instagram em posts patrocinados, em posts de perfis que seguimos por qualquer motivo, em sites que acessamos só pra ler um conteúdo rapidinho. Quase não dá mais para dimensionar todos os espaços que a publicidade pode ocupar, porque pode ser qualquer um mesmo.

Somos tão impactados pela publicidade, que muitas vezes nem percebemos que há uma diferença essencial entre os canais. Revistas, canais de televisão, podcasts, todas essas são plataformas de conhecimento, informação, entretenimento. A gente recebe um conteúdo e vez ou outra lida com alguns anúncios. Mas para que serve, por exemplo, um outdoor? Apenas para anunciar. Você está lá numa estrada, às vezes no meio do nada, e não tem uma placa informando alguma coisa útil, mas tem um outdoor te informando de uma marca de jeans ou sei lá o quê. Se pelo menos avisar a quantos metros fica a entrada do Mc Donald’s mais próximo ainda tem uma função, mas se for só uma pessoa vestindo um jeans pra você lembrar da marca do jeans naquela semana, aí sei lá, viu.

Houve um tempo em que São Paulo foi lotada por outdoors e placas e propagandas e anúncios por todos os lados, todo um horizonte coberto por anúncios. Um verdadeiro caos visual, realmente incômodo. Mas em 2007 surgiu a Lei Cidade Limpa, para impor limites à publicidade e ao marketing e diminuir a poluição visual. Fez muita diferença, praticamente outra cidade. Para a maioria das pessoas, muito mais agradável.

Vivemos em um mundo lotado de informações. Segundo um estudo de 2023 conduzido pela NordVPN, o brasileiro lidera o ranking dos que passam mais tempo por dia na internet. E, claro, está recebendo informações por lá o tempo todo, o que não significa que esteja ganhando mais visão crítica ou se informando melhor, mas pelo menos está se divertindo bastante vendo memes. Eu, pelo menos, estou. E, de novo, é claro que estamos sendo bombardeados por propagandas vindas de todos os lados da internet. A internet é a nova rua. E a publicidade e o marketing têm muitas vias de acessar o usuário e (não) perguntar se ele tem um minutinho pra ouvir a palavra do capitalismo.

Quem nunca fez uma busca por um produto, visitou uma página e depois ficou recebendo o anúncio desse produto por todos os lugares da internet? É tipo ir até uma loja, perguntar a um vendedor sobre produto x, e depois que sair da loja, ser perseguido pelo vendedor com o produto na mão por todos os lugares aonde você vai.

Os anúncios pulam na nossa cara: em posts patrocinados, em banners em sites, em vídeos de influenciadores que seguimos porque admiramos — e muitas vezes os seguimos justamente pelas publis que eles fazem nos seus perfis, para ter recomendação de produtos etc.

Li uma matéria da Forbes que dizia que para a geração Z, o TikTok é a principal ferramenta de busca. Se eles querem saber como fazer algum trabalho manual ou o que quer que seja, ou buscar um review de um restaurante ou de um produto, eles buscam no TikTok, e não no Google.

Tiktok ou Instagram nem são redes sociais. A gente não está lá para saber mais sobre a vida dos nossos amigos e familiares. São plataformas de entretenimento, e estamos lá pra consumir esse entretenimento que chega acompanhado de publicidade. Tem publicidade disfarçada de conteúdo que educa, informa e entretém. Aqui eu gostaria de confessar, só a título de curiosidade, que fiquei meio fã das publis “disfarçadas” de entretenimento. Tem influenciador que sabe fazer isso muito bem — gosto muito quando @anachyio ou @aquela.miranda, por exemplo, fazem publis. Você está lá assistindo a um vídeo delas, achando a maior graça e de repente aquela graça toda está linkada a alguma marca, produto, lançamento, o que quer que seja. Quando o link é bem-feitinho , no início do vídeo a gente nem desconfia que era publi, só vai saber no final (ok, ou quando está escrito “parceria paga” ou quando a publicação é feita em colab, enfim, o que importa aqui é destacar o link bem-feito).

Voltando à reflexão sobre o tempo em que passamos online, se as pessoas passam grande parte do dia delas na internet, é claro que a publicidade e o marketing têm de estar lá também. Mas é preciso haver limites sobre como isso vai acontecer. Já li relatos de pessoas que receberam em suas caixas de entrada, e-mail com subject que extrapolava o limite da criatividade e beirava o desrespeito, tipo “Você foi aprovado”. Também ouvi o relato de uma colega de trabalho que recebeu um e-mail com o subject “Nota de falecimento”, em que a empresa comunicava alguma coisa que não era a morte de alguém, mas era alguma brincadeira tosca com a palavra pra informar algo completamente nada a ver, tipo “seu desconto está morrendo”.

Não dá, né? Sou uma pessoa que, ao mesmo tempo, impacto e sou impactada pela publicidade e pelo marketing, pois consumo e trabalho com isso. E digo que precisamos ter bom senso. Claro que um copy charlatão aumenta a taxa de abertura, mas como você analisa esses dados depois, entende? Repito: não dá, né!

Quantos e-mails não lidos tem na sua caixa de entrada? Na minha tem mais de mil. Fico me sentindo como se tivesse perdido o controle da minha vida. Qualquer página que a gente acessa, pra ler uma coisinha qualquer e pronto: deixe seu nome e seu e-mail. Isso quando não pedem mais dados e lá sei vai uma discussão sobre LGPD que não vou nem começar senão este texto não acaba mais. De cadastro em cadastro, sequestram seus dados, sua atenção, seu tempo, até chegarem no que finalmente querem: seu dinheiro.

Vai lá dar unsubscribe em umas listas. Eu também vou.

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