Processo de cura e (re)construção de vidas diaspóricas

Assanan Fernandes
CLUBE DE LEITURA PRETA
3 min readJun 8, 2020

Vivemos em um tempo onde o poder necropolítico, isto é, o poder de ditar quem pode viver e quem deve morrer atua de forma insistentemente cruel. Nesse contexto, é possível dizer, ou melhor, afirmar, que as vidas negras têm sido o alvo principal desse sistema que insiste a todo custo nos colocar na linha de frente não no grupo dos salvadores, mas dos “merecedores” da morte. Nesse cenário de sobrevivência diária, urge, então, a necessidade de colocarmos em prática o resgate de nossas narrativas e encontrar caminhos de combate contra as dominações e massacres do nosso povo.

Foto: Yarle Ramalho

Tais caminhos só me parecem possíveis de trilharmos se caso estivermos voltados para a coletividade, para os laços e propósitos que unem o povo preto intensificando, assim, ainda mais a nossa força e autonomia. Para isso, o conceito de aquilombamento proposto por Abdias Nascimento me parece bem possível, pois assim haverá uma (re)construção das nossas raízes, de espaços coletivos de afeto, de amor e, sobretudo, uma articulação que nos direciona para uma luta efetivamente política.

Quando o Clube de Leitura Preta foi me apresentado, ainda em sua fase embrionária, percebi que a proposta de um clube de leitura, que atendesse as demandas de luta do povo preto, seria um início para um processo de cura e (re)construção de vidas diaspóricas. Com o CLP, conseguimos promover encontros de discussão, escuta, acolhimento, em espaços antirracistas para leitores/artistas/escritores/professores/cientistas/estudantes pretos e pretas. Entendemos o CLP como um espaço de aquilombamento, um lugar que, embora haja a junção de pessoas de todas classes, raças e etnias, o fortalecimento e potencialização das narrativas negras é e sempre será a prioridade.

Nesse momento de pandemia, no qual deixamos de realizar temporariamente nossos encontros físicos, as discussões virtuais têm se tornado mais afloradas. Dentre elas, o conceito de aquilombamento foi focalizado, no qual Yarle Ramalho, um dos nossos membros explanou:

Eu gosto muito do conceito de aquilombamento porque, particularmente, é o único horizonte que consigo visualizar na prática a melhor maneira de fortalecimento e articulação do povo preto. E quando se trata disso não quer dizer que estamos desconsiderando as lutas de pessoas brankks.

Nos aquilombarmos é fazer com que o nosso dinheiro gire entre os nossos, que os nossos saberes se reconectem com os nossos, pois são as pessoas que precisam. O quilombo é o caminho para nos reconectarmos às nossas raízes e tradições, coisas que estão para o tão fortalecimento que a gente anda falando por ai.”

Nesse sentido, o conceito de aquilombamento manifesta-se como uma possibilidade de ressignificar nossas relações com os nossos, olhando-nos com amor e afeto. Aqui, então, aproveito para reverberar o que Bell Hocks bem pontuou lá em “Vivendo de amor” (1994):

“Quando nós experimentamos a força transformadora do amor em nossas vidas, assumimos atitudes capazes de alterar completamente as estruturas sociais existentes. Assim, poderemos acumular forças para enfrentar o genocídio que mata diariamente tantos homens, mulheres e crianças negras. Quando conhecemos o amor, quando amamos, é possível enxergar o passado com outros olhos; é possível transformar o presente e sonhar o futuro. Esse é o poder do amor. O amor cura.”

Nossa luta é coletiva, urgente e necessária. A autonomia e a liberdade do nosso povo é a nossa responsabilidade.

Histórias e vidas negras importam e estamos aqui para (re)construir as nossas. Vamos junt@s!?

Foto: Yarle Ramalho

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