Meu trauma com a colaboração
Trabalhos de escola e de faculdade, falta de comunicação e de preparo: eis por que empreendi sozinho durante três anos.
Demorei a entender o quanto colaborar pode ser poderoso. Em minha defesa, a escola e a faculdade fizeram um serviço ótimo em destruir minha confiança no trabalho coletivo.
(Entendi no texto Os paradoxos da colaboração, traduzido pelo Gab Gomes, a diferença entre trabalho colaborativo e trabalho em grupo. Vou me basear nesta diferença pra pensar este texto, então recomendo a leitura.)
Escola e faculdade: o que diabos foi aquilo?
Os exemplos são muitos. Já sentei pra escrever em dupla e acabei escrevendo sozinho. Já participei de grupo em que fui o único que trabalhava e sustentei a nota de todos. Já participei de grupo que quase destruiu a amizade dos oito participantes — sem qualquer apoio do professor para orientar o processo.
O sistema de educação que vivi — provavelmente muito parecido com o seu — não refletia sobre colaboração. A gente fazia coisas juntos, é verdade, mas colaborar e fazer junto são coisas diferentes.
Somente no mestrado, depois de quinze anos entre escola e graduação, tive uma experiência real de colaboração. Meus colegas e eu escrevíamos nossos artigos e dissertações e compartilhávamos uns com os outros para, em grupo, discutirmos como poderíamos melhorar. Fazíamos a mesma coisa com textos e materiais para aulas — estávamos compreendendo que juntos poderíamos desenhar um currículo que fizesse sentido para nossas necessidades.
Nesta situação eu ainda era apenas um participante ativo. Sabia que era possível colaborar em ricas experiências de aprendizagem e troca, mas o como ainda era um mistério.
Por que empreendi sozinho?
Em 2014 lancei o Ninho de Escritores. O projeto ganhou forma dentro de um Pro Action Café com a proposta de ser inclusivo, intenso e colaborativo. Ainda sem entender tudo o que está envolvido em conduzir uma escola como o Ninho, comecei a tocar o projeto sozinho.
O começo foi incrível, especialmente porque o Ninho nasceu dentro de uma casa colaborativa (a Laboriosa 89) e durante um curso de empreendedorismo através do autoconhecimento (o Estaleiro Liberdade, que de tempos em tempos ressurge em alguma cidade). Eu queria fazer por escritores o mesmo que o Estaleiro Liberdade estava fazendo com empreendedores: empoderá-los — apenas falhei em observar que, para isso, o Estaleiro era empreendido por três pessoas fantásticas em conjunto, criando uma potência inenarrável.
O Ninho era minha joia. Como tal, eu queria que fosse só minha, protegida em uma redoma de ideias sobre o que o projeto deveria ser e como poderia acontecer.
Quando as pessoas me perguntavam por que eu não trabalhava junto com outras pessoas, eu dizia que precisava achar alguém com a mesma paixão por histórias, vontade de acolher e tempo de realizar. Se fosse pra colaborar, eu só queria colaborar comigo mesmo.
O primeiro — e durante muito tempo, o único — projeto colaborativo
Ainda em 2014 pensei que seria muito legal fazer um evento misturando comida e escrita. Como a parte da comida estava fora da minha zona de conforto, decidi convidar uma amiga cozinheira para colaborar. O Escrita Gourmet estava nascendo.
Minha ideia inicial era fazermos uma refeição e depois sermos guiados por exercícios de reflexão sobre memória afetiva. Expliquei isso à minha amiga e ela topou na hora. Seria incrível trabalharmos juntos!
Realmente foi, mas não pelos motivos que eu havia imaginado. Há três razões principais para que o projeto tenha sido uma experiência ruim para mim enquanto organizador.
1. O grupo cresceu sem conversa prévia
Minha amiga convidou outras quatro pessoas para participarem do projeto. Eu soube disso por meio de uma delas, que veio me contar o quanto estava feliz por finalmente trabalharmos juntos. Pensa na minha surpresa.
Na ocasião, eu não praticava nenhuma noção do Espaço Aberto, tampouco me permiti trazer para perto as pessoas que ingressaram no grupo. Minha maior preocupação — mais tarde, concretizada — era que o evento saísse do controle. Eu ainda queria estar no controle do trabalho colaborativo, ou melhor, em grupo.
2. Fui ausente no processo de planejamento
Ao ver que seríamos um grupo de seis pessoas em vez de uma dupla, me resignei à frustração e propus uma separação matemática do tempo que teríamos no evento: metade para a experimentação dos alimentos e a outra metade para a escrita.
Basicamente, reproduzi o modo de trabalho em grupo que aprendi nos tempos de escola: cada um faz uma parte e depois vem um outro para montar e colocar a capa.
Se fosse hoje, meu primeiro passo teria sido sentar e conversar com todas as pessoas que estavam entrando no grupo. Ser colaborativo é diferente de aceitar qualquer coisa. Havia um propósito inicial a ser trabalhado e somente faria sentido agregar outras pessoas e propostas no Escrita Gourmet se estivessem a serviço de alcançar esse propósito.
Trabalho colaborativo sem propósito comum claro é mera disputa de ego.
3. A confiança oferecida não foi respeitada
Durante o evento, deixamos uma caixa para receber a contribuição de cada pessoa. O valor estava definido desde o início, então cada um deveria abrir a caixa, colocar seu dinheiro e pegar o troco que fosse necessário. Juntamos bastante gente e, portanto, acabamos ganhando um dinheiro bacana.
Após o evento, enquanto limpávamos e organizávamos o espaço, fui contar o dinheiro. Faltavam duzentos reais. Conferi a lista de participantes e todos haviam indicado que pagaram ou registrado que ainda pagariam. Logo depois descobri que um dos organizadores, por iniciativa própria, decidiu tirar uma parte do dinheiro arrecadado no evento para comprar uma máquina de produzir cerveja. Era uma oportunidade única, ele disse.
Enfurecido, eu não o questionei. Assim como no planejamento, decidi evitar conflitos e ficar no meu canto.
Algumas recomendações para o trabalho colaborativo
Uma lição possível é que cuidar do dinheiro é essencial, mas acho que ela não reflete o tipo de trabalho colaborativo que desejo viver. Para colaborar, é preciso:
- se comunicar;
- estar presente no processo;
- ter um propósito comum claro.
Além disso, é necessária uma disposição para sustentar o conflito criativo. Se há um propósito comum, o melhor trabalho não surgirá de “cada um faz uma parte” e sim da efetiva troca de ideias, da coconstrução do projeto. Se algo é feito fora dos planos e fere o relacionamento, o melhor jeito de lidar com isso é a comunicação. Sem ela, a relação morre afogada em rancor.
Levei mais algum tempo para voltar a arriscar essa tal de colaboração e outro tanto para confiar na sua potência.
Como isso aconteceu?
Essa é uma história para outro texto ou para uma conversa mais longa — fica a dica: aceito convites, mensagens e ideias.