Abordagem metodológica para coleta dos dados do #cocôzap

Juliana Marques
cocozap
Published in
4 min readDec 14, 2018

O objetivo do #cocôzap é criar uma base de dados sobre a percepção dos moradores acerca do acesso ao saneamento básico, presença de focos de esgoto a céu aberto e acúmulo de lixo no Complexo da Maré. Selecionamos duas jovens mobilizadoras que vivem na favela e lançamos um número de Whatsapp que serviu como canal de notificação de situações inadequadas de saneamento. Entre outubro e dezembro, discutimos estratégias de articulação, desenhamos um método e colhemos alguns resultados. Este texto expõe alguns pontos mais estruturais do processo.

Por uma questão de tempo e pessoal, não foi possível fazer uma cobertura ampla de toda a Maré. Focamos em três favelas específicas - Nova Holanda, Rubens Vaz e Parque União - que concentram em torno de 14,6 mil domicílios, segundo o Censo Maré. A escolha foi motivada pela facilidade de circulação das mobilizadoras que vivem nessas favelas, têm relações diretas com as instituições locais e moradores e ainda poderiam fazer os caminhos da mobilização a pé.

A meta do #cocôzap é produzir uma base de dados a partir do conceito da ‘geração cidadã de dados’, ou seja, envolver os moradores no processo de coleta das informações, de forma autônoma e voluntária, deixando claro o propósito político de gerá-los.

É importante ressaltar que nesse primeiro piloto não foi nossa preocupação garantir um rigor científico no processo, já que algumas escolhas são arbitrárias e dependem muito da pouca quantidade de recursos que possuíamos para realizar o projeto. Mesmo assim, acreditamos que o trabalho de levantamento de dados de forma cidadã, os debates gerados e as promessas de um futuro projeto são pontos muito importantes e podem colaborar para o aperfeiçoamento de pesquisas e políticas públicas sobre a temática.

As descrições sobre as situações poderiam ser feitas via texto, áudio ou vídeo e, adicionalmente, era solicitada uma foto. Baseados nas informações enviadas, categorizamos as situações de inadequação em:

Foto enviada por um morador para whatsapp do projeto

Esgoto: Transbordamento de esgoto // Situações onde ocorre transbordamento de esgoto através do rompimento do calçamento da via.

Esgoto: Bueiro entupido // Situações onde o bueiro do sistema de drenagem ou o bueiro do sistema de esgoto está transbordando esgoto através dele mesmo.

Esgoto: Esgoto a céu aberto // Situações onde existe esgoto passando a céu aberto sem possível identificação da origem.

Esgoto: Alagamento // Situações onde o esgoto transborda por ocasião de chuvas.

Lixo: Acúmulo de lixo // Situações onde o morador identificou que o lixo não estava acondicionado de forma adequada e/ou estava em local inapropriado.

Lixo: Acúmulo de lixo e entulho // Situações onde o morador identificou que o lixo+entulho não estavam acondicionados de forma adequada e/ou estavam em local inapropriado.

Para extração dos dados pensamos, a princípio, em criar um processo automatizado no WhatsApp, mas pela variação no padrão de interação dos moradores abandonamos a ideia e criamos uma tabulação manual que pode ser acessada aqui.

Quando o morador ou moradora envia uma notificação ele ou ela é convidado/a a preencher uma pesquisa adicional que tem o objetivo de levantar o perfil das pessoas que contribuíram para o projeto. O questionário pode ser acessado aqui.

Recebemos, no período de 8 de outubro a 7 de dezembro, 25 notificações: 14 relacionadas a esgoto e 11 relacionadas a situação do lixo, de 14 moradores distintos, ou seja, alguns moradores enviaram mais de 1 notificação.

A comunidade que mais concentrou notificações foi a Nova Holanda, 14, e quase 60% dessas notificações estiveram relacionadas à situação de esgotamento.

A maioria das interações com os moradores aconteceu por texto, representando 88% das notificações.

Articulamos a divulgação do projeto com escolas do entorno, postos de saúde, associação de moradores e outras organizações parceiras. Nas visitas, deixávamos o material impresso de divulgação que compreende adesivos, imãs e cartazes. Ainda assim, a quantidade de coletas espontâneas poderia ter sido maior. Deixo aqui alguns apontamentos que só serão passíveis de comprovação com pesquisas mais aprofundadas e um tempo maior de aplicação e investigação do #cocôzap:

I) A naturalização de situações de inadequação de saneamento por parte dos moradores devido ao longo período de descaso governamental;

II) A sensação de não-efetividade da iniciativa pelas várias experiências de baixa (ou nenhuma) resolução dos problemas relacionados à questão sanitária;

III) A negação da ideia de direito ao serviço público de saneamento como em outras partes da cidade;

Na foto, Juliana, uma das mobilizadoras do projeto nas ruas da Nova Holanda.

Atentas às problemáticas acima, vamos continuar recebendo as notificações dos moradores através do WhatsApp. Ou seja, seguiremos preenchendo a base de dados e fazendo um trabalho de mobilização voluntária a partir do próximo semestre. Entendendo que é necessário tempo para uma mudança de perspectiva.

Consideramos ainda que seria fundamental a criação de um espaço/canal de comunicação direta entre organizações da Maré, população e as entidades governamentais responsáveis pelas situação do lixo e saneamento no bairro, para que, de alguma forma, possam olhar para os casos que chegam, propor ações comunitárias conjuntas e começar a estabelecer uma política participativa de saneamento que leve em consideração as realidades locais.

Estamos ensaiando um encontro nos primeiros meses de 2019 para aventarmos a possibilidade de um espaço como esse. Vamos contando tudo por aqui. :)

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