Como nasceu o #cocôzap

Gilberto Vieira
cocozap
Published in
4 min readDec 10, 2018

Um projeto de de transformação a partir de dados gerados por cidadãos.

Por Gilberto Vieira, Inês Gortari e Vitor Mihessem
Atualização do texto originalmente publicado em
civicus.org.

No fim de 2016, nós, representantes da Casa Fluminense e do data_labe, começamos a desenhar um projeto em conjunto — o Cocôzap. A parceria começou a partir da conquista do primeiro DataShift Community Seed Funding Challenge, proposto pela Civicus. A proposta enviada buscava unir dois conceitos globais — Geração Cidadã de Dados (GCD) e Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS). As equipes do data_ e da Casa trabalharam juntas para criar a ideia-base vitoriosa: construir um canal de denúncia, debate e proposição para saneamento básico, a partir de mapeamentos participativos ágeis, sobre a coleta de lixo e o esgotamento sanitário em favelas e periferias do Rio de Janeiro metropolitano.

A “revolução dos dados” que propomos passa pelo engajamento e pela capacidade de incidência dos moradores nas políticas locais. Através do aplicativo Whatsapp, fotos e vídeos são enviados para nós, para tentarmos localizar e visibilizar os desafios de um cotidiano de desigualdades em termos de acesso a serviços públicos. A partir dos dados levantados vamos formular novas narrativas sobre o assunto, com infográficos, vídeos e matérias. A ideia é que todo o processo seja feito com a participação ativa de jovens comunicadores populares a partir de oficinas de formação e mobilização direta com coletivos e organizações de favelas do Rio.

A identidade visual do Cocôzap foi nascendo a partir de diálogos e experimentações.

Acreditamos que assim, de forma colaborativa, horizontal e facilmente replicável, serão construídos diagnósticos mais fidedignos do que os indicadores ditos oficiais, utilizados pelos gestores públicos. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), por exemplo, mais de 90% dos domicílios de toda a região metropolitana do Rio de Janeiro são atendido por serviços de coleta de lixo e esgotamento sanitário. Sabemos que isso não é verdade. A ideia de gerar dados a partir de nosso próprio engajamento e vivência pode também indicar soluções mais legítimas, baseadas em evidências fornecidas justamente por quem vive os dados mais extremos.

O engajamento cívico é fundamental na disputa por políticas públicas mais representativas e construídas de formas mais integradas e participativas. Assim, estamos chamando de “Geração Cidadã de Dados” aquelas informações que as pessoas ou suas organizações produzem para monitorar, demandar ou impulsionar transformações em questões que as afetam. As tecnologias para transformação social podem ser produzidas através de mecanismos de crowdsourcing ou iniciativas de comunicação como estes, muitas vezes organizadas e geridas por grupos da sociedade civil.

Sem dúvida, construir bases de dados a partir do dia-a-dia do cidadão é a maior tendência recente nesta área. Primeiro porque elas podem facilmente ser alimentadas a partir das atividades cotidianas das pessoas sem que elas nem mesmo percebam; e segundo, e melhor ainda, porque buscar a atuação ativa dessas pessoas pode fazer despertar a cultura do monitoramento, radicalizando as democracias participativas.

Neste contexto, o projeto-piloto do Cocôzap foi implementado nas margens do Canal do Cunha, onde está a Maré, uma das maiores favelas do Rio de Janeiro, localizada entre o Aeroporto Internacional e a Universidade Federal, UFRJ — mas que detém indicadores socioeconômicos muito abaixo da média das pessoas que frequentam estes dois espaços citados.

Com o apoio do Fundo Socioambiental Casa, o projeto pode ser testado entre os meses de setembro e dezembro de 2018, na ocasião do lançamento dessa revista e de uma plataforma que pode servir para documentar as etapas futuras do projeto.

A equipe que trabalhou entre setembro e dezembro no piloto do Cocôzap na Maré.

A ideia é que o Cocôzap inspire novas soluções para antigos desafios, a partir do saneamento básico, mas mirando toda uma agenda de desenvolvimento sustentável. A partir da Maré, mas olhando para toda a cidade metropolitana do Rio de Janeiro.

Lembramos aqui que nossa cidade foi sede de duas Conferências das Nações Unidas, a Eco-92, sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, em junho de 1992, e, 20 anos depois, da Rio +20, sobre Desenvolvimento Sustentável — onde se rascunhou a Agenda 2030. Hospedamos a discussão global que gerou os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), mas não temos dado conta de monitorar sua efetiva execução. Precisamos tomar partido desta discussão suprapartidária e acreditamos que isso só será possível com a participação da população, de forma ampla e transparente.

Buscaremos contribuir para que as políticas sejam voltadas para os cidadãos em sua diversidade, garantindo direitos plenos que não excluam, novamente, aqueles que historicamente são deixados para trás. Devemos olhar com atenção e prioridade para as populações mais marginalizadas e invisibilizadas, que guardam poderosas ferramentas de transformação e inovação social.

Como sujeitos periféricos, desejamos como nunca, no ambiente global e tecnológico, incidir sobre os ODS e participar de forma colaborativa do desafio de atingir as metas para um desenvolvimento mais sustentável. A continuação do Cocôzap precisa parceiros para sua execução. Todo tipo suporte será bem-vindo, seja para a construção da plataforma de dados e narrativas, para a manutenção das atividades de formação dos jovens ou mesmo para a indicação de parceiros.

Conheça os resultados do piloto.

--

--

Gilberto Vieira
cocozap

Co-fundador do @data_labe, organização de mídia e pesquisa sobre favelas e periferias.