O diploma morreu… Viva o Portfolio.

Mathieu Le Roux
Codando by Le Wagon
11 min readJan 3, 2017

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Porque nosso modelo atual de educação precisa ser transformado para cultivar a criatividade em vez de apaga-la.

Alguns meses atras eu participava da minha primeira Rubyconf em São Paulo, um evento para desenvolvedores Ruby, quando me deparei com uma palestra dada por uma menina de 13 anos com tiara de gatinha cativando um publico essencialmente composto de programadores homens (com o dobro de sua idade). Emmanuelle Richard estava falando de como integrar Rails e Angular, e muita gente estava tomando notas.

A outra palestra da Emmanuelle deste ano com a mesma tiara fofa….

Ela ficou famosa na comunidade ao desenvolver o primeiro aplicativo dela com 12 anos e começou a blogar para contar sua historia de aprendizagem. Fica difícil imaginar um outro ramo cientifico ou técnico que daria espaço nas conferencias dele para uma menina com tiara de gatinha… Obviamente, nesta idade, ela ainda não tem nenhum diploma ou certificado oficial qualquer, e ninguém sabe o que ela fará com seu futuro. Provavelmente vai se orientar para a Universidade um dia… ou talvez não. Se for o caso, da para imaginar ela participando de aulas prestando pouca atenção enquanto pensa no seus projetos pessoais. Da para imaginar também que surja o dia em que ela decida abandonar de vez os estudos para se lançar numa aventura empreendedora. Aprendendo mais do que ela poderia imaginar neste caminho da mesma forma que ela aprendeu até agora. fazendo. Bom, essa ficção minha é pura invenção mas é sinceramente o melhor que desejo para ela.

Não é que eu realmente precisasse assistir à esta cena para cair a ficha de que nosso modelo de educação esta sendo reinventado na idade digital. Mas ela me ajudou a formalizar o quanto nosso modo de reconhecimento do saber esta mudando.

O mundo vai valorizar cada vez menos diplomas e certificados e cada vez mais para o que você, de fato, tem criado com o conhecimento adquirido, o seu portfolio.

Biblioteca Ste Geneviève em Paris, um prédio lindo. Quanto tempo até o dia que todos os seus livros sejam digitalizados?

A adoção da internet pode ser comparada a invenção da imprensa. Com isso, Gutenberg nos ajudou a ter livros mais baratos, a construir mais bibliotecas que, na maioria das vezes, deram luzes a Universidades ao redor delas. Então agora, tente imaginar o que a Internet vai fazer para nosso sistema educativo…

A perda de relevância do diploma já é a norma no universo da programação informática, bem antes da Emmanuelle, foram várias lendas de “menino prodígio” que ganharam fama. Aaron Swartz, o futuro fundador do reddit tinha sido convidado para palestrar numa conferencia tech para falar do seus trabalhos e deixou todo mundo surpreso quando ao chegar, realizaram que ele tinha apenas 12 anos… (Assista este documentário sobre sua historia incrível). E hoje em dia sabemos bem que tudo que acontece no universo da tecnologia geralmente anuncia as mudanças por vir no resto da sociedade. Principalmente por duas razões:

1/ É um ramo relativamente recente em comparação aos outros campos científicos, então ainda aparece muita novidade sem medo de quebrar antigas hipóteses dadas por certas. (diferente de astronomia em 1600, por exemplo…) e

2/ Por definição, é o campo cientifico que adota de primeira todas as novas ferramentas de comunicação e design. Estas mesmas ferramentas que estão provocando a mudança radical que nos estamos vivendo desde os anos 90.

Não é nada absurdo imaginar que o que acontece no ramo da programação informática é uma boa antecipação do que esta vindo para todos… E isso é a dura verdade:

Em ciências de computação, ninguém da valor ao diploma, certificado ou qualquer pedaço de papel. Pior, o pessoal menospreza a ideia de que você precisaria disso para provar o que você sabe…

Dois terços dos programadores nos Estados Unidos são autodidatas…(Fonte), no Brasil imagino que deve ser maior ainda. Então claro que ninguém vai te culpar de ter saído de uma escola prestigiosa, mas ninguém vai prestar muita atenção em você até mostrar o que você criou, inventou e compartilhou (bonus se for open source)…

Eu queria que Linus Torvalds tivesse falado “Diploma is cheap” para meu artigo, mas estou honesto demais para trocar o meme (meme é sagrado)… E achei que mostrar o dedo não se faz… Mas isso ilustra bem a diferença entre as coisas que da pra fazer na internet e não em bibliotecas universitárias.

Então, para resumir, e de acordo com o que vejo trabalhando com desenvolvedores o dia inteiro (… Eu lancei uma escola de programação…), minha convicção profunda é que portfolio dá de goleada em diploma.

Um diploma comprova sua inteligência, um portfolio sua imaginação

O modelo clássico de educação treina alunos a encontrar soluções de problemas que já foram resolvidos. O professor só desenha exames que ele consiga corrigir. E corrige eles medindo a distancia das respostas para uma única norma de excelência. O melhor aluno é quem melhor replica (raramente inventa) uma maneira de resolver o problema em questão. Isso sempre me deixou perplexo. São tantos neurônios e energia sendo usados para encontrar coisas que já conhecíamos. E vira ainda mais absurdo quando usar a internet ou uma calculadora é considerado trapacear. O jeito que ensinamos na maioria das matérias soaria ridículo para um programador.

“Por favor aprende essa nova linguagem de programação, mas vai ter que decorar a documentação inteira e não pode acessar Stackoverflow ou Github…”

Nos verificamos a capacidade de lembrar uma informação que esta a um clique do google para o resto da sua vida. Para que serve isso? Sério. Nos deveríamos avaliar a criatividade. No futuro que nos aguarda, eu tenho certeza que precisaremos de pessoas com imaginação muito mais de que versões humanas de Wikipédia (que nem dá para copiar colar…).

Fala o cara que foi convidado a deixar a escola com 15 anos por professores porque não ia dar em nada.

Verificar na internet antes de atacar qualquer problema deveria ser obrigatório. Ninguém nunca achou uma solução? Então publique a sua! Alguém já resolveu? Passe para um problema novo. Obviamente, esta nova pedagogia ia exigir de desenhar problemas de uma forma diferente (e professores com imaginação). Mas quem se formar desta forma são do tipo em quem eu confiaria meu futuro.

Escolas deveriam incentivar os alunos à construir seus próprios portfolios, e não simplesmente os preparar para passar exames. Desta forma, teriam uma chance maior de se interessar a problemas novos e contribuir; o que só pode ser positivo. É nossa profunda natureza humana explorar e mostrar orgulhosamente o que construímos. (Quem discordar nunca interagiu com uma criança na vida…).

Mas como garantir que eles vão aprender? Isso é meu próximo ponto.

Um diploma é reconhecimento pelos seus professores, um portfolio pela multidão (bem mas difícil de conquistar…)

O diploma é um reconhecimento que você conseguiu passar exames elaborados por no máximo uma dezena de professores. O que fica radicalmente diferente com portfolio é que não existe limite de quantas pessoas vão acabar julgando seu trabalho.

Para um portfolio, o numero de pessoas usando o software que você programou, assistindo a animação que você criou, ou lendo o blog que você escreveu, vira o novo padrão de sucesso… Seguidores, curtidas e visualizações são o verdadeiro reconhecimento da idade moderna. E essas multidões são mais espertas. Elas vão rastrear qualquer bug, erro, incoerência, informação falsa, ou pior roubada bem mais rápido e sem piedade que o melhor dos seus professores. Vale lembrar que foi comprovado que wikipedia tinha menos erros que a Encyclopedia Britannica, multidões são sábias. (Source)

Neste mundo aberto onde você apresenta seu trabalho de bom grado, você aprenderá a lidar com a crítica e os trolls, é claro. Mas não será muito diferente da maneira que você aguentou aquele professor de biologia que detestava você na 7a serie (você sabe qual, né?). E caso sua criação valha alguma coisa, a chance de ter alguém no público te abrindo a porta certa para sua próxima ideia e bem maior do que na maioria das Universidades.

Diploma de arte é um oxímoro.

Diploma revela sua conformidade, Portfolio seu lado único.

Nosso modelo de educação é fordista, alunos são tratados em função do ano de fabricação e os mesmos conteúdos são empurrados na mesma ordem sem distinção nenhum. O resultado disso é que escola lentamente apaga nosso lado criativo. George Land aplicou um teste de criatividade estudando 1600 indivíduos ao longo de décadas. Na idade de 5 anos, 98% eram considerados pelo teste criativos, uma vez adultos, tinha sobrado 2% (fonte).

Agora se você se interessou pelos diferentes artigos sobre Inteligência Artificial, deve ter entendido que ser bom nas tarefas repetitivas não é o tipo de habilidades que você deseja para seus filhos. Os únicos empregos que nunca vão ser preenchidos por máquinas são aqueles que revelam nossa singularidade humana: nossa criatividade, nossa empatia com os outros e, claro, nossa habilidade de fazer aquela pergunta que ninguém tinha formulado antes, especialmente os programadores de IA…

Source https://www.timeshighereducation.com/news/what-should-you-study-to-stop-robots-stealing-your-job

A Inteligência Artificial pode estar chegando, mas a Imaginação Artificial vai demorar ainda…

A boa notícia (para os criativos) é que os robôs vão acabar cuidando das partes mais chatas das nossas vidas. E isso me leva ao meu próximo ponto:

Exame é chato, portfolio é legal!

Sejamos honestos, gastar horas de nossa juventude “estacionados” em classes silenciosas para preencher páginas e páginas de redação ou escolhendo alternativas em questões de múltipla escolha é bem triste. Especialmente se for comparar com a animação de mostrar o seu trabalho para um público. Quando você tem que preparar tudo à tempo, com a esperança de que funcione, e não importa o resultado, você recordará destes momentos pelo resto de sua vida. Nos temos todos uma apresentação, uma peça, um projeto que nos lembramos em cada detalhe de nossa época no colégio, mas parece que 95% do que aprendemos para o exame simplesmente evaporou ao sair da sala…

As ciências cognitivas tem provado o que sempre parecia óbvio. Aprendemos brincando, aprender tem que ser um jogo. E ficamos muito mais animados quando criamos coisas, do que respondendo formulários ou escrevendo textos que precisam se conformar a um padrão tão estreito…

Exame é 100% teoria, portfolio é sempre teoria botada na prática.

A outra grande vantagem de uma pedagogia baseada em portfolio é que ela força a botar a mão na massa. Claro que a teoria é necessária, difícil imaginar construir um website complexo sem entender o sistema Model View Controller por exemplo. Mas ensinar o modelo MVC sem a perspectiva de realmente construir algo animador seria tortura para a maioria. Você iria exigir que seu filho entenda a teoria da gravidade antes de ele andar de bicicleta? Claro que não, né? Mas assim que ele cair, e levantar de novo, você terá um bom ponto de partida para explicar a força de atração terrestre, e toda a atenção dele. (Espere ele parar de chorar primeiro…).

Um dos erros mais comuns da “mentalidade do diploma” e de você colocar esforço demais na preparação e planificação. Você foi formatado para estudar o ano inteiro para um exame final de algumas horas, e o paradigma universitário é que estudar alguns anos com seriedade vai te servir para a carreira inteira… Desta forma começa a acreditar que para realizar grandes coisas, você tem que aprender a desenhar sistemas complexos antes de qualquer prática. Isso explica que você veja estudantes de administração de empresa focando tanto no Business Plan e esquecendo que nada vale tanto quanto uma primeira venda para um cliente para entender o mercado. Ao contrario, a mentalidade “Portfolio” te ensina a começar com pequenos passos e iterar. E resolver problemas na medida que eles aparecem… Na verdade, é a única maneira com a qual todos os sistemas complexos nasceram.

Um sistema complexo funcionando é sempre uma versão evoluída de um sistema simples que funcionava. Um sistema complexo desenhado desde o inicio nunca funciona e não pode ser consertado. Você tem que recomeçar a partir de um sistema simples funcionando.
— John Gall (Lei do Gall)

Exames valorizam competição, portfolio colaboração.

Nosso sistema educativo é construído numa filosofia onde os estudantes são treinados para se conformar à um modelo, geralmente o professor. Desta forma classifica-los em ranking fica facil. E vira até uma maneira de motiva-los (a não ser que eles se sintam tão ruins que perdem confiança, um dano colateral não importa para a maioria…). Quando sua educação te incentiva a construir projetos, a primeira lição aprendida é essa: a sua capacidade a colaborar é o seu melhor recurso. Os melhores times sempre superam os melhores indivíduos. Talvez fique mais difícil comparar um projeto ao outro para o professor, mas quem se importa, realmente? Eu não estou dizendo que não deveria ter nenhum feedback, especialmente negativo se for preciso. Mas todo mundo que já trabalhou em equipe sabe que os membros são os mais exigentes professores. Porque eles sabem o que você é capaz de fazer, e medem o esforço que você dedicou. Você pode não se importar, mas boa sorte para encontrar um grupo no próximo trimestre. Ninguém gosta de ficar excluido, isso é pressão do grupo usado pelo bem.

Conclusão, é toda uma questão de mentalidade!

Deveríamos fechar as Universidades, então? Claro que não! Principalmente porque a maioria já oferece oportunidades fantásticas de criar um portfolio no ramo que o estudante escolher. E se esforçar para entrar na melhor Universidade possível continua valendo. Eu estudei administração mas aprendi a editar videos, usar photoshop, editar livros e falar em público (tudo fora da classe óbvio…) alem de lidar com trabalho em equipe para organizar festas alcolizadas com 2000 pessoas todo mês (onde os próprios alunos servem bebida e fazem a faxina)… Enfim, fiz muita coisa, e matei muita aula. Mas isso tudo para dizer que precisamos mudar a mentalidade ao redor do diploma. Ele é valorizado demais mesmo décadas depois da graduação como se ele fosse uma garantia vitalícia de sucesso.

Nos vivemos agora num mundo aberto onde qualquer um pode publicar qualquer coisa. Então se você criar uma coisa que vale algo, nunca foi tão fácil virar noticia.

Usem as plataformas! Crie um blog se quiser virar jornalista, poste no instagram, vimeo ou dribbble se você sonhar em virar artista, coloque sua musica no soundcloud, compartilhe seu código no github, faça videos no youtube se quiser ensinar, inscreva seu negocio no angel.co se quiser levantar fundos para sua startup… Nenhuma dessas plataformas garantem sucesso, assim como certificados também não. A única diferença é que elas vão te deixar tentar não importa quem você é (ou qual foi sua nota de matemática no colégio).

Então preste atenção em aulas, grude nos melhores professores, mas comece a criar alguma coisa que te anime e mostre-a para o mundo.

Eu sou o Mathieu Le Roux. Um Francês que mora no Brasil. Eu me formei numa business school mas, insatisfeito, acabei montando um projeto de volta ao mundo que era uma desculpa para encontrar todos os grandes empreendedores que eu admirava (padrão Muhammad Yunus futuro prêmio Nobel da paz). A aventura de um ano se transformou em um livro traduzido em 9 idiomas. Depois de alguns anos como investidor em capital de risco e ter lançado o serviço de streaming de música Deezer na America Latina, eu criei a Le Wagon Brasil, o primeiro Bootcamp de programação do Brasil. Ensinamos o código em 9 semanas para ajudar qualquer criativo a iniciar o seu portfolio :) Nos não entregamos diploma.

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Mathieu Le Roux
Codando by Le Wagon

cofounder of Le Wagon Brasil, helping people take back control of their lives.