Porquê eu iria aprender a programar se sou designer?
Publicado originalmente em Codesigners.cc por Brunão.
É meio complicado tratar deste tema que tem muitas perspectivas. O jeito mais fácil que encontrei foi falar de uma experiência genuína, um caso real… o meu.
Eu sou um daqueles designers curiosos, que tudo que vê quer fazer. Essa já seria uma primeira variável que poderia diferenciar um designer que ‘programa’ de um designer que é só designer mesmo (e está tudo bem em ser apenas um designer que não programa).
A minha curiosidade me levou a aprender um pouco de cada coisa em nestes 10 anos em que venho trabalhando como designer. Eu nunca consegui ser especialista em uma coisa só.
Lá pelos idos de 2005 e 2006 eu me encantei com o mundo do 3D, fortemente influenciado pela faculdade que estava cursando, Design de Produto. Então aprendi a modelar, texturizar e iluminar no 3Ds Max.
Pouco tempo depois eu fiquei fascinado por fazer animação. Na verdade a paixão por animação era algo mais antigo, um ou dois anos antes de iniciar a faculdade quando comprei meu primeiro computador em 2004, e um amigo me apresentou o ‘Macromedia Flash’. Foi através de uma revistinha Info que eu seguia os tutoriais sobre interpolação de quadros, motion tween e outros termos deste universo da animação no Flash.
Depois de um período estudando animação no 3ds Max, Maya, After Effects e animação tradicional desenhada na mesa de luz, eu acabei trabalhando em algumas coisas pequenas nesta área, nada grandioso aos olhos da grande mídia, mas foram projetos de animação grandiosos para mim e suficientes pra pagar as contas. Você pode ver um videoclipe que fiz aqui.
Acho que já deu pra entender né. Curiosidade foi o meu norte desde que me entendo por designer, e nesta toada, mais ou menos em 2010 eu estava puto da vida com um programador que contratei terceirizado para fazer um projeto. O cara não tinha cuidado algum com alinhamentos, cores, tipografia… pra ele o que importava era que estava funcionando, e não importava o quanto eu pedia e insistia para melhorar a interface e deixá-la exatamente como eu havia desenhado, o cara simplesmente ignorava.
Foi aí que mais uma vez, movido pela curiosidade eu fui tentar entender porquê ele não estava fazendo o que eu pedia, se era realmente tão difícil ou se ele estava apenas com preguiça. Comecei a aprender HTML e CSS, e aquilo abriu a porta para um novo universo pra mim, o universo de conseguir programar meus próprios projetos de websites.
Se eu tivesse aprendido o que aprendi em 2010, no final dos anos 90, eu teria ganhado muito dinheiro (ou não). Naquela época não existia site responsivo, os sites eram mais simples e era difícil achar bons designers de interface. Era um mercado em ascensão, e quem manjava de design+html+css tinha seu espaço, uma boa renda (se fosse bom, é claro), e menos trabalho do que se tem hoje. para fazer um site do zero.
Mas voltando à 2010, depois de entender um pouco mais desse universo e aprender como transpor um layout estático para algo que o navegador conseguisse compreender e renderizar, eu dei mais um passinho neste caminho. Ali começava minha história com o WordPress.
Acredito que 10 entre 10 designers que se enveredam pelo caminho de aprender um pouco mais sobre código acaba entrando no universo do WordPress. Simplesmente porque à primeira vista é tudo lindo.
Tentando explicar de uma maneira bem simplificada, para o designer, trabalhar com WordPress é como se, um time muito foda de programadores já tivesse feito todo o trabalho pesado de programação e te entregasse tudo bonitinho e documentado para que você simplesmente faça um ‘merge’ da sua interface já desenvolvida em html+css+js com o código php do WordPress. No final você tem um site com ‘painel administrativo’.
Essa possibilidade pagou minhas contas por muito tempo e ainda é responsável por boa parcela até hoje. Fazer sites com WordPress me possibilitou algumas coisas que listo abaixo:
- Garantir que o layout ficaria do jeito que eu projetei previamente (isso é mais html+css do que wordpress)
- Dispensar o programador que consumia de 50% a 70% do orçamento do projeto (e não tinha que atender o cliente final);
- Oferecer um site com painel administrativo ao meu cliente, de uma plataforma que está sempre se atualizando e mantida por uma grande empresa;
- Ter liberdade para implementar novas ferramentas e funcionalidades, alterar o layout e tudo que eu quisesse sem ter que contactar novamente o programador, saber da disponibilidade dele e ter que pedir um novo orçamento;
- Fazer meus projetos pessoais de site.
Bom, estas são só algumas das vantagens que, como designer, aprender um pouco sobre programação e WordPress pôde me trazer.
Depois do WordPress nada mais foi a mesma coisa. Em 2013, junto com minha sócia tivemos um escritório de design de marcas, a Dupplamente. Fazíamos todo o processo, desde pesquisa de campo, pesquisa com grupos focais, identificação de problemas, design de serviços, plataforma de marca, identidade visual, brand book, campanha de implementação/lançamento e assessoria em áreas correlatas quando necessário (design de interiores, treinamento, fotografia, etc)… foi um novo período de muito trabalho, aprendizado e projetos que nos orgulhamos muito.
Em nossos projetos de Branding, sempre surgia um site pra fazer, e a essa altura eu nem precisava mais contratar alguém terceirizado, eu mesmo botava a mão na massa. Entretanto, em um dado momento, por falta de tempo a necessidade de terceirizar acabou surgindo. E eis que aconteceu o inesperado para mim… tive uma dificuldade enorme de encontrar outros designers que soubessem fazer o que eu fazia com WordPress.
Logo percebi que existia uma resistência muito grande de designers em aprender a fazer sites, mesmo que fosse só a primeira parte do HTML e CSS. Identifiquei que um pouco dessa resistência era porquê, os cursos existentes geralmente eram ministrados por programadores, e a didática não era muito focada em interface ou design.
Eu simplesmente não conseguia encontrar esses designers com facilidade. Quando eu encontrava, eram pessoas espalhadas pelo país e geralmente com agendas lotadas de projetos.
Veja só como são as coisas, eu estava com serviço para terceirizar e não tinha um designer para quem eu pudesse passar. Resolvi então ministrar um curso de WordPress, onde o objetivo por baixo dos panos era criar mão de obra para que eu mesmo pudesse consumir o serviço dessas pessoas depois.
Entre 2013 e 2015 foram 5 turmas do curso ‘Criando um site do zero com WordPress’. Foi muito legal poder passar o conteúdo adiante, porém, fazer sites com WordPress demanda muita prática e repetição. Do feedback que pude colher, a maioria dos designers que fizeram o curso aproveitaram bastante a parte de HTML e CSS, mas quando chegou na parte de WordPress as coisas meio que se perderam por falta de prática.
O fato é que muitos deles conseguiram vagas de emprego justamente depois de terem feito o curso, e principalmente, terem entendido como transpor seu layout estático para o formato HTML + CSS. Isso me dá um orgulho da porra!
O caso mais recente que descobri foi bastante inesperado. No início deste ano eu estava procurando um Playstation 4 usado para comprar. Encontrei uma pessoa vendendo na OLX e adicionei no WhatsApp. Ela me reconheceu e perguntou se eu dava curso de WordPress, eu disse que dei cursos só até 2015, e ela me disse então que havia participado da primeira turma. Logo em seguida agradeceu e disse que conseguiu um emprego justamente por ter aprendido comigo, como fazer layouts web responsivos. Caiu até um cisco no olho naquela hora.
Depois de um período de muitas dúvidas sobre minha carreira, numa época onde eu queria viver de ilustração e arte (eu pulei essa parte no meu histórico, mas sim, já fui ilustrador, já ganhei algum dinheiro com isso e desenhar é uma paixão gigante que tenho desde os 5 anos de idade). Passei por um processo de entender que ilustração era algo mais íntimo, algo pra ser levado como hobby e não mais como profissão, e também entendi que profissionalmente minha motivação era continuar incrementando meus conhecimentos sobre como um designer pode adentrar o mundo da programação.
Hoje tenho trabalhado como UX/UI designer em um pacote de aplicativos para uma empresa canadense que tem grande relevância no mercado hipotecário. Nesta empresa, depois de definir as diretrizes inicias de UX e desenhar a UI de todas as telas, eu provavelmente teria encerrado minha participação no projeto e o pessoal teria me dispensado… mas justamente por eu poder contribuir na parte de código é que acredito me mantiveram na equipe.
Fiz toda a implementação dos componentes estáticos do sistema e suas customizações com CSS. Um pouco mais adiante, até fiz alguma coisa com React, e desde então, serviço não faltou dentro da empresa e me tornei um membro fixo do time.
Estou certo de que se não fosse o que aprendi de código até aqui, não estaria trabalhando nesta empresa e ganhando um salário que muito provavelmente eu não conseguiria no Brasil facilmente como designer.
Também tenho estudado bastante o framework de javascript React JS, tenho evoluído na medida do possível, e entendo que o segredo é não parar de estudar. Tendo como parâmetro tudo que o WordPress me trouxe, acredito que quando eu estiver à vontade com os conceitos e práticas do React, novas coisas irão acontecer na minha carreira profissional. O segredo é continuar curioso e aprendendo.
Enfim… tendo dito tudo isso sobre mim, acho que dá pra ter uma idéia do quanto aprender um pouco sobre código foi e tem sido bom pra mim. Coloco abaixo alguns tópicos em resumo que, na minha opinião, são muito positivos para e fazem valer a pena o designer aprender a programar, nem que seja o básico:
- Crescimento no mercado de tecnologia bastante promissor para os próximos anos;
- Mais variedade de ofertas de emprego e salário relativamente maior na área de tecnologia;
- Ser um membro singular na equipe, uma vez que você é bom designer e um razoável programador;
- Ter uma espécie de ‘pós-graduação’ empírica sem ter que gastar milhares de dinheiros em uma pós de instituição (da pra aprender a programar no youtube por exemplo);
- Expandir a capacidade de pegar freelas, pois agora você pode pegar projetos de programação, de design, ou os dois juntos…
Enfim, estes são apenas alguns motivos que eu consegui imaginar, mas com certeza existem outros… O questionamento do título deste artigo fica sendo mais uma provocação.
Eu poderia te dar algumas respostas mais técnicas e mais embasadas em números, mas o John Maeda já fez isso em 2017 em sua famosa pesquisa anual Design In Tech , então vou deixar você à vontade para ler o conteúdo dele que é muito mais extenso do que eu poderia escrever aqui.
No mais, aprender a programar fica a seu critério. Não é algo necessário para o designer, mas é bom para o designer que sabe.