Dê conta de um Feliz Aniversário!

Letticia Rey
Coerências
Published in
8 min readAug 5, 2018

“Seja a mulher que você der conta de ser”. Li recentemente essa frase e me identifiquei com ela, principalmente nesse momento da minha vida. Hoje faço 30 anos, e com essa ideia de que a gente vive revoluções quando muda de década fico me perguntando e pensando qual é a mulher que eu dou conta de ser hoje. Pensando nisso resolvi fazer 30 reflexões sobre minha vida atual. Algumas eu acho que já dou conta, outras acho que ficará a encargo da próxima década ou numa próxima vida talvez.

1. Dar conta de ser mulher. Confesso que ainda não dou conta totalmente. Ás vezes ainda tenho recaídas de odiar ser mulher, daquelas que eu tinha desde criança. Ser mulher significa tanta coisa que eu não entendia e não gostava que me fazia odiar. Hoje ser mulher significa tanta coisa que eu continuo não entendendo, mas que acho lindo poder e saber lutar para entender, porque eu quero dar conta por mim e também por todas nós mulheres.

2. Dar conta de entender que maturidade não é fazer o que esperam que eu faça é fazer o que eu acredito que deva ser feito assumindo as consequências dos incômodos e dores que isso possa causar nos outros e em mim.

3. Dar conta de ser consciente e capaz de distinguir os problemas que são meus e os que são dos outros e sofrer menos com isso.

4.Dar conta que a gente perde muito tempo tendo pressa pra casar, ter filhos, morar sozinho, sair da casa dos pais sem ter aproveitado o máximo que podia da convivência com eles, que são quem mais amam a gente nesse mundo e que apesar de tudo provavelmente serão as ÚNICAS pessoas que realmente farão questão da nossa presença por perto de modo incansável, mesmo que a gente ainda fique insistindo no erro de dar valor pra outras pessoas que não valem tanto a pena.

5. Dar conta de que a vida corre em ciclos que se repetem. Não tenho mais dúvidas disso. Observar o que acontece na nossa vida com bastante atenção nos detalhes tem o poder gigantesco de fazer a gente não repetir os mesmos erros.

6. Que é importante aprender a saber qual a medida certa de ajuda que a gente tem que dar ao outro, nem demais nem de menos, mas que precisa na mesma proporção aprender a pedir ajuda e o mais importante de tudo, aprender a aceitar ajuda e sentir o mínimo de dor possível durante esse processo. E que os 30 anos talvez seja uma idade linda pra gente aprender a colocar isso em prática, afinal a gente vai precisar se ajudar por toda essa vida adulta que se segue.

7. Que pode ser legal ser meio que nem água e aprender a assumir os estados certos pra cada situação da vida (apesar da dificuldade disso). Ás vezes ser sólida e se encaixar nas forminhas rígidas. Ás vezes ser gasosa e passar despercebida, bem de leve (haja esforço!) e ás vezes ser líquida e ir tomando a forma dos recipientes de diversos tamanhos, e aceitar que em muitos deles a gente vai transbordar e tudo bem transbordar, muitas vezes a gente tem mais, dá mais do que é necessário e tudo bem, se é o que a gente dá conta de ser, se é o que a gente dá conta de oferecer.

8. Dar conta de ser esse ser todo exagerado, louca, intensa. De parar de sentir culpa por isso e de me deliciar na aventura que é ser assim, um vento que só precisa de si mesma para fazer um furacão.

9. Dar conta de sempre ir para frente,avançar mesmo que tenha medo. Afinal a coragem não é a ausência do medo, é a força de superá-los. “Vai com medo mesmo” me disseram esse ano. Acho que vou dizer por todos eles daqui pra frente.

10. Não ter mais vergonha de gostar do outro. Quando eu era mais nova ficava evitando admitir que gostava muito de alguém, algum amigo, amiga, paquera. Hoje não tenho mais essa vergonha e principalmente fico tranquila que os outros saibam disso. Ás vezes ainda estranho a própria estranheza das pessoas quando a gente fala que se importa com elas, que gosta delas, sempre acham que eu devo ter bebido demais, mas acho que estou começando a entender que as pessoas podem ter mais dificuldades de lidar com o fato da gente gostar delas e querê-las por perto do que o oposto. Afinal a gente mais se acostumou a se entregar aos afastamentos do que lutar pelas aproximações, porque ver de perto é ter chance para enxergar os defeitos, as manchas, as marcas, as brechas como aquele craquelado dos quadros antigos.

11. Dar conta de que perco tempo demais valorizando mais os outros do que a mim mesma.

12. Dar conta de que eu posso gostar de novela e política ao mesmo tempo. Posso ser brega e elegante, ser menina, moleca e mulher tudo junto ou em horas separadas. Que não preciso ter um estilo único de me vestir e que posso ser mil personas em uma só como já dizia Clarice.

13. Dar conta de que não é porque agora sou “adulta” que os olhos precisam parar de brilhar, mas que a gente pode e deve continuar sonhando sonhos supostamente impossíveis de mudar o mundo. Na verdade é exatamente isso que vai me levar a ser e a fazer tudo que eu mais quero na vida, para mim e para os outros mesmo que o mundo diga que é infantil continuar acreditando. Não importa, as crianças sempre foram mesmo mais sábias que nós adultos.

14. Dar conta de que os abraços ficam mais escassos com o tempo né. Que as pessoas passam a ter mais medo de se encostar, não porque não queiram longos abraços, mas por terem medo de não querer largar. Afinal as pessoas a partir dos 30 anos começam a ficar mais seguras, interessantes, sabem um pouco mais o que querem, ou ao menos têm uma noção do que não querem e acabam ficando mais atraentes. E aquela lógica do preto no branco começa a ficar meio cinza e o que era errado as vezes pode parecer tão certo que é melhor se esconder do que ter que encarar.

15. Dar conta de que na verdade chegar a escrever 30 coisas que dou conta possa ter sido um exagero de propósito, que talvez tivesse sido melhor parar aqui pelos 15, mas dar risada disso, aceitar e mesmo assim tentar chegar até o fim e já colocar na cabeça que tudo bem se achar que 23 já seja o suficiente.

16. Dar conta do que não dou conta. isso é uma meta diária. Porque eu SEMPRE acho que preciso dar conta. E isso muitas vezes é mais cansativo do que precisava ser.

17. Entender que tem taaaanntaaa coisa ainda pra se viver nessa vida né. E que tudo bem se meu tempo é diferente do tempo do outro. Na verdade esse entendimento ainda é diário, acho que vai levar uma vida toda, mas reconhecer já é um grande fruto desses adoráveis 30 anos.

18. Dar conta de que a gente precisa saber quem a gente é, quais os nossos limites diários e ter firmeza para sustentar nossos sims e, mais importante ainda, sustentar os nossos nãos.

19. Dar conta de dar espaço ao nosso instinto, caso contrário ele fica destreinado e a gente, desprotegida.

20. Dar conta que a gente não precisa ler todos os livros que prometeu que leria, que não precisa ver todos os filmes que ganharam o Oscar muito menos todos os clássicos ou alternativos do Fellini.

21. Dar conta de levar as coisas de um jeito mais leve e lento. Minha mãe sempre me diz “ é no lento que a vida acontece”. Só agora eu esteja começando a entender o que isso significa.

22. Perceber que buscar o equilíbrio será tarefa pra vida toda, mas quando a gente entende que se trata de equilíbrio dinâmico e não estático, e que o andamento certo do tempo vai depender da intensidade de força que a gente aplica às situações, acho que fica mais fácil encontrar.

23. Dar conta de que o que é bom pro outro pode não ser bom pra mim. E o que é bom pra mim pode não ser bom para o outro. E que lidar com a diferença talvez seja a chave que vai abrindo as portas que vão ampliando a nossa zona de conforto.

24. Dar conta de que eu gosto de responder mensagens de bom dia de pessoas que eu nem conheço, que eu me preocupo em responder emails e mensagens no whatsapp com Obrigada! só pra mostrar que pode existir uma certa humanidade por de trás das máquinas e que eu fico tão perdida quanto meus pais com alguns arquivos no meu celular, mesmo todo mundo achando que jovens de 30 anos ou menos invariavelmente devem entender de tecnologias e que eu não deveria me importar com essa expectativa que criam sobre mim e minha idade.

25. Dar conta de que eu sou um corpo político e que ser corpo político dói e aceitar a dor é importante, assim como é importante escolher o tamanho do meu sofrimento com ela.

26. Dar conta de que sinto uma saudade danada dos meus 20 anos, mas que não troco por nada a tomada de consciência dos 30 .

27. Que apesar de eu ter um espirito de velha e amar ficar em casa cá com meus botões, olhando pro teto confabulando estratégias de como eu vou fazer para acabar com as guerras e a fome no planeta, que eu preciso aproveitar esse corpo leve, saltitante e magrelo pra dançar até o dia acabar. E que isso sim é revolução.

28. Que é um saco admitir, mas que não vai dar pra viver sem dinheiro. Que não vai rolar viver de trocas ou sair por ai feito andarilha no mundo topando qualquer role. E que na verdade passar os anos tentando resolver a equação ter uma casa+pagar as contas+viajar o mundo+ajudar minha familia+ doar meu dinheiro aos pobres= trabalhar pouco, ganhar o suficiente e ter tempo livre pra lutar contra as mazelas do mundo contemporâneo é apenas a origem de uma nova luta por um modelo diferente de economia menos agressivo ao ser humano.

29. Que é assustador ter chegado nos 29 e perceber que eu ainda teria tanta coisa para compartilhar.

30. Dar conta de que sim, no fim a gente sempre consegue dar conta da incumbência que o universo trouxe pra gente, mesmo que a gente precise se reinventar a cada dia pra entender como fazer isso, mas que ainda vou passar um bom tempo tentando dar conta de ser a mulher que eu dou conta de ser, porque afinal ser mulher é dar conta não só da gente mesma, mas do mundo que a gente consegue carregar no colo, nas costas e no coração. E se tem uma coisa que sei sobre os meus 30 anos é que a mulher que quero dar conta de ser vai querer dar conta de carregar o mundo no colo mesmo, já sabendo do impossível que é fazer isso, mas que se não fosse pra ser assim, eu não tinha nascido desse jeito todo exagerado no mês de agosto, leonina com ascendente em câncer no horário que o sol nasce e, sobretudo e principalmente, MULHER.

Seja bem vinda aos 30 anos e que você dê conta de ter, além de tudo, um Feliz Aniversário!

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