Soldadinho do Araripe, Cordel, santinho do Padre Ciço, Maleta do Viajante presentes de aniversário que recebi em Juazeiro do Norte -CE

Em Juazeiro do Norte não tem solidão

Letticia Rey
Coerências
Published in
5 min readAug 5, 2018

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03 de agosto de 2018

O dia começou as 3h da madrugada. Fazia frio em São Paulo quando pegamos a Marginal para o Aeroporto de Guarulhos. Estou fazendo um trabalho com educação e tive que viajar para Juazeiro do Norte, CE em pleno dia de aniversário. Já faz um tempinho que venho pensado muito sobre meus rumos e missões de vida que ao que tenho percebido será bastante solitária. Tenho sofrido e pensado muito sobre isso. Eu, tão coletiva, comunitária tendo que entender que para alcançar e traçar as metas desafiadoras de vida que me coloquei preciso aceitar uma certa solidão.

Sai de casa então, no dia que completo 30 anos com uma sensação de tristeza. Amo fazer aniversário. Todos eles são especiais e importantes para mim. Por ser uma pessoa que se cobra demais, excessivamente exigente consigo mesma, passo praticamente todos os meus dias do ano me autoavaliando, me autocriticando ou estudando e trabalhando tentando a cada dia me tornar uma pessoa melhor para o mundo, e por fazer isso acabo esquecendo de me divertir comigo mesma. No entanto tem um dia do ano que me dedico a esse prazer. Dedico as minhas energias, que sempre estão voltadas para o mundo afora e para os outros, para mim mesma. Esse é o dia do meu aniversário.

Talvez seja clichê, mas no caso de alguém que passa a vida querendo mudar as estruturas, esse clichê de aniversário me permite o contraponto e quem sabe um certo descanso, que me dou de presente para estar perto de quem eu amo, de quem eu gosto ou até mesmo perto de mim mesma sem cobranças, apenas com sorrisos.

Esse é um ano diferente. Um ano de virada de década. 30 anos.

Apesar de sempre deixar as comemorações para serem organizadas na última hora esse ano comecei a pensar sobre o meu aniversário quase dois meses antes. Queria fazer uma festa enorme nesse dia. Já tinha esquematizado tudo na mente, o aniversário cairia na sexta feira e seria uma comemoração memorável com muitos convidados.

No entanto não foi bem isso que a vida preparou para esse dia. Muito pelo contrário me preparou novamente para um aniversário na estrada (no caso, no ar).

No aniversário de 29 anos pela primeira vez essa lógica de aniversário coletivo tinha mudado. Ano passado passei a virada desse dia sozinha, em um ônibus viajando de Sevilha a Madrid.

Viagem essa que já marcava o ínicio de um novo ciclo de vida e por destino passei sozinha. Tinha acabado de terminar um namoro, saído do emprego e com várias mudanças em ciclo que ainda estavam/estão em processo de assimilar. Ficar 6h sozinha no ônibus era significativo demais, então resolvi registrar esse momento com um postal, que dessa vez enderecei a mim mesma.

Quando a gente vive as coisas, no momento que elas estão acontecendo, muitas vezes não conseguimos enxergá-las como parte de um conjunto de experiências que preparam a gente para outras coisas que vamos precisar viver. Hoje consegui encaixar essa experiência, essa mudança em um plano maior da minha vida.

Cheguei em Juazeiro do Norte-CE as 8h da manhã para duas reuniões com a Secretaria de Educação e com os gestores e gestoras da rede escolar do município. A ideia que me pairava na mente era que minha missão política com a educação era maior que eu mesma e por isso estava ali, doando meu único dia que era só meu para aquelas pessoas comprometidas todos os dias com a educação. Na minha cabeça era mesmo a virada de compreensão de que querer a vida política significava viver a vida política não 364 dias no ano, mas sim os 365 completos.

Passei o caminho da viagem pensando na solidão de passar o aniversário sozinha — justo esse aniversário de 30 anos.

Desde o começo do ano tenho entendido qual a minha missão aqui na Terra e tentado aprender a lidar com ela e com as mudanças significativas que preciso aceitar e me acostumar para poder cumpri-la. Passar o aniversário “sozinha” talvez fosse uma delas.

No entanto quando eu já tinha me esquecido da solidão, afinal estava cercada de pessoas, apesar de muitas vezes me sentir só no meio delas, eis que me vejo surpreendida com um canto de parabéns tão caloroso que me fez ficar na dúvida sobre todos meus outros aniversários. Parecia que eles tinham lido na minha mente o quão significativo era meu comprometimento com esse trabalho, que de peito aberto me fizeram homenagens de acolhida e felicidade, com abraços fortes e doces que gente que eu conheço há anos talvez nunca me tenham dado.

Recebi presentes, recebi um auditório de 200 professores, o Prefeito, a Secretária da Educação cantando Parabéns a você calorosamente como se fossem mesmo minha família. Como se eu tivesse deixado uma partezinha de mim em cada uma daquelas pessoas e elas estavam ali, de coração aberto me dando o que de mais valioso tinham, suas culturas e crenças da origem de suas terras.

Ainda estou tentando entender por completo o significado de tudo isso, mas sei que não foi por acaso que estive aqui nesse dia tão caro a mim. Foi um dia de política institucional, educação, tecnologia, religião e participação social no dia de Santa Lydia ( primeira líderança feminina de um povo, comerciante da cor púrpura), na terra de Padre Ciço (padre político, revolucionário que guia até hoje os dias dos cidadãos de Juazeiro do Norte e Ceará) e abençoada pela Nossa Senhora do Perpétuo Socorro no espaço do memorial de Juazeiro.

Aqui meu dia de aniversário foi de sol, enquanto que em São Paulo foi de chuva e foi de entender que enquanto eu continuar acreditando e construindo um mundo melhor eu jamais vou estar sozinha.

Obrigada Juazeiro do Norte!

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