Germinando…

Letticia Rey
Coerências
Published in
7 min readApr 26, 2018

Acho que o *Germinar tem uma dinâmica muito forte na minha vida. Aconteceu pelo chamado de alguém que significa muita força e sabedoria num lugar que foi essencial na minha vida. Essencial não somente sobre o pensar, essencial como uma pessoa masculina me dizendo que eu era “diva”, me dando uma força de mulher que era maior do que ser mulher. Era uma força de um homem que se transveste de mulher, que quando me apelida de DIVA — sendo ele gay e transexual e usando uma gíria que definia pra mim o alto positivo desse mundo, no qual femininos e masculinos estão juntos e misturados — isso causa em mim uma força, uma potência que eu nem sabia que existia em mim.

Essa pessoa que trabalha isso em mim, sem eu nem me dar conta, me leva ao Germinar, que abre as portas porque não tem o valor do dinheiro como abre alas, o que me permite.

Permite no sentido amplo e forte da palavra permissão. Permissão para entrar, permissão para avançar, liberdade para fazer. LIBERDADE para fazer! Nesses dois lugares a relação com o mundo gay, a relação com a economia solidária.

Do primeiro para o segundo módulo me conecto com algumas pessoas, que não são a conexão com quem me trouxe. Conecto-me com o palhaço, com o ambientalista, com a ancestralidade, o candomblé, a energia da natureza, a razão doce da organização e a força do “cuidar de quem cuida”(cada uma dessas coisas são o que certas pessoas representaram para mim nesse contexto).

No segundo módulo isso se quebra. Tais referências vão embora e eu sinto o baque de estar “sozinha” e então tudo que acontece trabalha a dimensão do individual. Do que é meu, do permitir e aceitar o que é meu, os meus limites. De sair da discussão que não me cabe, de permitir a vontade do não querer, de perceber os efeitos da minha presença e da minha ausência, o que elas geram em mim mesma, o que elas geram que retornam para mim. O que é o patriarcado? Como é e onde ele realmente está? Do respeitar a si, do PERMITIR a si antes e permitir ao coletivo, só assim a gente consegue fazer parte do coletivo de forma consciente e caminhar junto. “A gente só une o que está devidamente separado”.

O terceiro módulo a vida me faz pular — não sei ainda o significado disso, mas pulo exatamente o módulo dos conflitos — , e mesmo não sabendo o seu conteúdo os reflexos dele aparecem no quarto módulo sem mesmo eu ter existido nele.

“Lembramos muito de você no módulo passado”.

A visão simplista de quem eu possa ser me incomoda. Ser colocada em caixas que eu não escolhi me incomoda, e nem poder me defender porque eu nem ao menos sei do que se trata. Estar julgada sem nem mesmo estar presente. Existir sem estar. O que isso significa? Talvez realmente isso, que é possível existir sem estar presente. Que o que a gente faz, o que a gente fala impacta o outro e causa lembrança. Talvez do aprendizado de ser lembrado de longe, do aprendizado de acreditar que se é lembrado.

Sobre os conflitos… Não, você ainda não está pronta pra lidar com eles. E quando você for lidar vai ser com quem você não confia, com quem você não conhece e sinto que ali as figuras serão masculinas. O que isso vai gerar? Ainda mais no meu mês de aniversário?

No módulo 4 a conexão volta à origem. Quem me trouxe passa a estar lá quando eu preciso e eu volto a precisar dele. Como um aprendizado de raízes, de voltar ao que te trouxe ali. Porém quem mais eu achei que aí estaria não está. Não somente não está, mas também não está preocupado com a sua dimensão. Elas não estão ali. Estão em outro lugar bem longe. Nem chegaram. Só passaram por ali pra dar um tchau. A expectativa que eu criei é minha. E só minha.

Ainda ali passo pela inveja, pela raiva pela falsidade, pela disputa. Pela minha própria prepotência de achar-se maior e mais forte. Pela dificuldade de manter a responsabilidade de estar ali e fazer o que eu preciso fazer porque ninguém ali vai fazer o que eu faço e dessa vez não porque eu seja melhor, mas porque eu preencho o espaço que falta com a devida e digna maestria escondida por trás da prepotência. Minha prepotência.

Passo pelo orgulho, carência e talvez inveja de mim em relação ao outro. Por que ela é acolhida e eu não? Ela fez tudo errado, foi imatura, não teve responsabilidade, trouxe riscos, só pensou nela e ainda assim vocês a acolhem? O aprendizado: o que te incomoda é o seu espelho. Eu fui imatura, prepotente, arrogante, fiz tudo errado, não tive responsabilidade com aquelas pessoas, trouxe riscos — se as coisas não fossem resolvidas isso poderia refletir na cliente e no grupo, porque eu negaria de cumprir meu papel, e o buraco que era minha responsabilidade eu não teria preenchido e então teria sido irresponsável, dessa vez pior ainda, com a cliente, exatamente como ela foi. Exatamente você teria sido tudo aquilo que você abomina. A diferença: o tempo.

O tempo me protege. Ele é a minha tortura. Não me deixa dormir, me deixa com medo, me faz pedir ajuda o que me deixa sem graça, mas permite ao outro ajudar também. E quando tudo acaba traz leveza. Leveza de que eu sou capaz de cumprir o que o tempo exige de mim e que além de tudo gero novas possibilidades pra lidar com o tempo.

Noto que o tempo é o meu primeiro desafio. Entender o tempo, lidar com o tempo, se apegar ao tempo.

“Não fui feita para cuidar do tempo, nem do meu nem dos outros.”

E que a coisa mais bonita que o tempo me traz é a plena felicidade. O momento que eu senti mais felicidade e que eu ri mais foi quando estava consciente que tinha a responsabilidade pelo tempo, mas que eu não iria conseguir fazer aquilo sozinha e nem queria fazer isso. Não quero controlar o tempo nem o meu, nem o do outro, mas é preciso saber a dimensão do tempo.

Apego-me a quem me ajuda, mas preciso aprender a deixar ir embora e saber que as situações não se repetem, as mesmas ajudas podem como não podem acontecer, por isso a gigantesca importância de não gerar expectativas nas pessoas. Se a gente gera elas decepcionam, se não gera elas impressionam. E quando a gente gera expectativa negativa, possivelmente, elas surpreendem.

Agora vai acontecer o último módulo. Biografia. Estou com medo desse módulo. Medo que na verdade eu vá enxergar a missão que eu já sei que tenho, ou talvez que aconteça alguma coisa que mude tudo de novo e que eu caia no chão das inseguranças e incertezas de novo a não tenha força para levantar de novo, porque sim, estou exausta. Ali não vão estar quem estava no último módulo que me fez fortalecer. Não vai estar a origem e não vai estar a fortaleza da conciliação (que é um pouco do meu eu também). Ela era forte. Era negra, era mulher, era da periferia (isso te lembra alguém? Sim Marielle). Ela foi mil representações. E fez exatamente o que precisava ser feito. Na hora certa, no tempo certo. Cuidou de quem precisava de cuidado, fez o papel que lhe foi dado com precisão, assertividade e me inspirou. E sim, ela também foi meu espelho. E o mais maluco. São mulheres. São todas mulheres. Mulheres heterosexuais, vaidosas, bonitas. As 3. O outro é quem meu lado masculino é. Ele seria eu. Ele sou eu. Ele é o pior de mim. Mas sim, eu também quero ele em mim. Eu acolho aquilo que tenho de bom e acolho aquilo que tenho de ruim, e acolhendo eu sou completa, inteira.

O curso de constelação foi a peça que faltava pra fechar o quebra cabeças, e ele fechou porque me apresentei inteira, com aquilo que me incomoda e aquilo que tenho de melhor. Aprendi ali que as pessoas que passam e entram na minha vida são representações daquilo que eu preciso aprender, daquilo que está acontecendo na minha vida, daquilo que me incomoda e é muito importante que eu seja capaz de acolher isso, daquilo que é lindo em mim. E é lindo mesmo! E eu preciso saber que é e não preciso que o outro me diga. Sabendo disso, talvez o trabalho daqui pra frente seja aprender a me amar. A gostar de ser quem eu sou sem precisar que o outro goste. Sem precisar que o outro goste. Só assim o outro pode gostar. Esses mesmos outros que eu quero tanto que gostem. É meio uma cilada constante que eu vou passar a vida equilibrando. Equilíbrio dinâmico — onde entra a magia do circo.

A perfeição, Letticia, não existe. NÃO existe. O certo e o errado também não. As pessoas não estão na sua vida para ficar, elas realmente estão de passagem representando aquilo que você precisa para cumprir a sua missão por aqui. E quem está por trás de fazer você enxergar tudo isso é sim a fé. A fé de acreditar que não estamos sozinhos nesse mundo, por mais que as vezes você queira negar isso.

A luta é ir atrás do que é bom para você. A origem disso não importa. O que você quer importa! E você precisa aceitar isso. Aceitar você. Com tudo de bom e tudo de ruim que você tem.

Sobre a política, ainda não é hora de saber qual o caminho exato e certo, então se deixe abrir ao que vier e curta o que tiver que vir e lembre-se sempre de sorrir. De sorrir.

*Programa Germinar-Formação de Facilitadores Sociais/Ecosocial. Programa que trabalha a dinâmica de autoconhecimento e formação de facilitadores de grupos, empresas, instituições.

--

--