Origem histórica da crônica

O Olavista
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3 min readMar 21, 2020

Por Ulisses Trevisan

Outro dia, como todo homem de bem e cidadão exemplar, eu estava atrasado para o trabalho. Caminhava suadamente sob a cúpula azul daquele céu candente, típico da nossa estação mais fria, o verão-inverno, quando, de supetão, meu rosto foi lambido por uma página esvoaçante. Tomei-a em mãos e, já cruzando a rua, dei-me por lê-la. Acalme-se, caro leitor, não era uma crônica, mas sim um ensaio universitário — leia-se chatíssimo — sobre esse gênero que cá exerço.

O dito artigo debutava pedantemente sobre a origem da crônica, dizendo que sua progênie é uma mistura entre um bêbado grego de nome khronikós e alguma doença latina que seria chronica, e que sua função era a mesma do bilhete de tarefas deixado por uma esposa a seu marido: registrar os acontecimentos em ordem temporal. Alguns dos descendentes da prosápia supracitada foram: um certo Fernão Lopes, outro tal — que também era rei espanhol — Alfonso X, um dito Pero Vaz que caminha e tantos outros.

No entanto, esclarece o universitário iluminado, que lá pelo século XIX a tal corrente literária emigrou ilegalmente entre os gálicos. Aliás, foi justamente na virada século, ou poucos minutos antes, que estrearam os feuilletons do emérito senhor Geoffroy no Journal de débats. Porém, dada a seriedade das notícias publicadas, os editores do jornal fizeram cara feia, qual a beber chá de boldo, e destinaram as glosas para o pé da página, para o rés-do-chão. A princípio, os primeiros cronistas mantiveram o tom sisudo, mas com o passar do tempo foram se colocando em posição horizontal: deram por comentar sobre os fatos cotidianos com um tom leve para contrastar com o predominante tom grave das notícias ditas sérias. Mantendo, para surpresa deles, o emprego.

Aqui o erudito universitário não cita fontes históricas da chegada da crônica às terras brasílicas. Porém, creio não estar de todo errado que o navio inglês de Dom João VI — sim, aquele mesmo que Napoleão ficou a ver — já trazia no seu bojo os ovos da serpente crônica até que, mais tarde, foram encontrados pelos curiosos escritores brasileiros.

Os ovos teriam sido depositados na capital do Brasil: o Rio de Janeiro, a cidade-namorada do país. Com o passar do tempo os ovos foram absorvendo, quase que por osmose, algo do ambiente carioca: talvez a maresia mudou-lhes a gestação, a rua do Ouvidor incutiu-lhes — por que não? — a alma das ruas; até que algum bom e velho malandro os escondeu, sabe-se lá por qual motivo, em algum biblioteca municipal. Ali, minha hipótese, foi que Machado deu com os ovitos, fomentou-lhes o crescimento até que, lá pelos anos 20, encontrou novo mestre: João do Rio. Em poucos anos, a criação viria a tomar as rédeas da própria vida, tornando-se maior de idade junto com Rubem Braga.

Enfim, a história é longa e os cronistas são tantos, o leitor há-de ter paciência monástica até a próxima crônica. Passar bem, leitor.

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