Praça central aos domingos

O Olavista
O Olavista
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2 min readMar 30, 2020
Catedral Nossa Senhora do Desterro, Jundiaí-SP

Por Ulisses Trevisan

O dobrar dos sinos da matriz badalam a cidade sonolenta, o sol irradia seu fulgor caloroso, o insólito silêncio e a parca agitação permeiam estranhamente o centro da cidade. Uma multidão dispersa de mendigos se distribui pelos cantos, uns a estender seu sono duro no chão, outros a flanar com um sorriso estampado e uns goles de cachaça matinal salpicados na mente.

Atrás da igreja, na praça Governador Pedro de Toledo, se coadunam alguns mendigos, travestis e prostitutas, que, fora da rotina de trabalho, buscam resfolegar do sol ofegante sob a fraterna sombra das poucas árvores remanescentes do desvario urbano. Sentados no banco, papeiam sem pressa, controlando de quando em quando a extensão ligada ao poste, fonte de energia para a vida eletrônica de seus pobres celulares.

Fora da asa materna das árvores, há um sujeito com ares de general pernambucano a gesticular de contínuo, a gritar ordens para seus clientes, a esperar com tranquilidade monástica o fim da missa e o começo da bonança de generosas moedas pelo trabalho. Não é um sujeito qualquer. Embora se assemelhe aos colegas, há nele um toque de veemente importância social, algo que o eleva: um colete vivamente amarelo com linhas cruzadas de faixa luminescente, com a reverente escrita “estacionamento” nas costas. Com gestos secos e ríspidos de seus dedos salsichosos rege a orquestra de carros hesitantes; com ternuras lúcidas e mansas, agradece, enfim, às “chefias” pelo reconhecimento.

Na esquina da igreja, uma banca desponta na calçada, com seus jornais esvoaçando ao vento, com placas anunciando os sortudos vencedores locais da loteria e com sua verdadeira função aos domingos: ponto de encontro para os nobres senhores debaterem sobre o tempo, as obras municipais e a vida em geral. Mais adiante, há uma relva calvejada pelos apressados transeuntes que, ao invés de contornar o canteiro, preferem esmagar os brotos de grama. À sombra, bem na esquina, três pombinhas bonacheiras aproveitam uma poça d’água, formada na boca de um cano cortado, para tomarem um banho, para se refrescarem jocosamente.

À porta da igreja, o padre espera o horário da missa para abençoar seu povo com suas mãos de leque e suas asas casulais. Bem ao lado do padre, um carrinho de pipoca estacionado junto de seu proprietário. O pipoqueiro, de calça jeans carcomida, camisa listrada semiaberta, com os pelos a se espriguiçarem para fora, espera o fim da missa para vender seu manjar tentador às almas pecadoras, mas em estado de graça.

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