Introdução

Luis Fernando Santos
Coisas que Escuto
Published in
3 min readJan 12, 2018

“Nós, os neuróticos”. Ouvi muitas vezes essa expressão em rodas psicanalíticas com um tom de superioridade e algum deboche. Uma pequena brincadeira, tudo bem. Mas sempre me peguei pensando o porquê esses psicanalistas julgavam, através dessa frase, a neurose como superior a outras estruturas ou configurações psíquicas.

Talvez estivessem julgando as próprias neuroses analisadas como superiores a neuroses ou psicoses sem análise. Claro. Talvez estivessem julgando a neurose sem análise menos perigosa do que a psicose sem análise. Faz bastante sentido. Mas nessa curta frase, sem sequer um verbo, eu sempre enxerguei um absurdo erro: uma reprodução sub-reptícia do senso comum de que os problemas da neurose são banais, anedóticos; de que se está num campo seguro por ter passado de maneira razoavelmente completa pelo Complexo de Édipo (que é uma espécie de definição clássica do neurótico, em oposição ao psicótico cujo Édipo haja sido forcluído, incompleto).

Eu nunca vi assim. Para mim a neurose é uma doença grave. Grave e terminal, porque retira as cores da vida, desbota e ilumina em tons apenas primários um pequeno recorte da realidade, povoado de projeções, levando à pior morte de todas: aquela em que a vida é desperdiçada dialogando-se única e exclusivamente com os próprios conteúdos inconscientes projetados no mundo

O neurótico é um ser sem criatividade, sem nenhuma habilidade em capturar pensamentos não pensados, na expressão de Bion. Vive num simulacro de mundo, sua caverna pessoal, onde às vezes reina, pensando tratar-se do mundo todo. Dependendo de quanto estiver castigado pelos seus complexos e seu superego, ele perde a capacidade fazer descobertas, restando apenas um núcleo de relacionamentos muito pequeno e coeso, no qual a neurose de todos se combina. Ele tem dificuldades de relacionamento. Transa pouco e mal (Freud chegou a escrever ainda no século XIX que uma das causas da histeria era o coito interrompido). O neurótico também sofre. Sofre de um jeito medíocre, escondido de si mesmo (afinal, a censura e a repressão que seguram a neurose no lugar sabem que o sofrimento é uma grande chave de mudança, então precisam esconde-la do sujeito para que ele não se transforme. A neurose é a doença da imobilidade e da imutabilidade).

Esse não é muito o meu caso nem da maioria dos meus pacientes. Mas é esmagadoramente presente nos que cercam a eles e a mim. E um louco não sossega até deixar o outro louco. Por isso neuróticos (em termos de estrutura) gastam horas e horas de análise tentando entender por que os neuróticos (em termos de doença) não se conformam por eles pensarem diferente e não param, nunca, de tentar muda-los com sua onipresente ladainha.

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Estes escritos são, assim, uma coleção comentada de situações clássicas engendradas pelos neuróticos (termo que uso neste trabalho como sinônimo da doença e não da estrutura), coletadas nos mais diversos lugares: na clínica, nas histórias dos pacientes, na rua, na minha vida.
Não imagino que terá muito uso teórico; a bibliografia já existente é extensa e de fácil assimilação. Psicanalistas talvez se interessem para comparar histórias e se sentirem menos sozinhos. Penso que isso pode ajudar no manejo clínico. O público em geral se sentirá curioso e se identificará, espero eu, tocando a própria paralisia neurótica. Se você faz parte desse último grupo, aconselho buscar um analista antes de iniciar a leitura.

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