A leveza das coisas

Quando eu era criança uns familiares vieram de longe visitar e conheci uma prima que eu nem sabia que tinha. Na época, a gíria “maneiro” estava começando a pegar aqui no Rio, e eu devia estar falando isso pra tudo. Não demorou muito pra que a prima estivesse fazendo o mesmo, mas percebi que era de um jeito que nem sempre fazia muito sentido.

Rafa, olha essa tampinha, que maneiro.
Você achou maneiro?
Pega.
O que tem?
Maneirinho.
Tá.

Você já viu esse pregador?
O que tem?
É muito maneiro.
Prima, isso não tem como ser maneiro.
Pega só.

Rafa, olha!
Joga isso fora.

Também percebi que ela sempre fazia questão que eu segurasse as coisas que eram maneiras pra ela. Isso era ainda mais estranho, já que o maneiro da gíria costumava ser visual, como uma carteira dos Cavaleiros do Zodíaco que comprei no camelô. Olha que maneiro. Ela botou a carteira na palma da mão, jogou suavemente pro alto umas vezes e disse, é, maneirinho. Então eu entendi: ela pensou que eu estava dizendo que a carteira era leve.

Esse tempo todo ela estava pensando que eu tinha achado digno de nota o quão leve era aquele jogo de tabuleiro, aquele tênis que piscava, aquele castelo que a gente montou com Lego. Não só isso, mas que eu estava maravilhado pela leveza deles.

Anos depois fiquei sabendo que um dos significados de maneiro é justamente este, leve, e que ela estava na verdade usando o termo de forma mais apropriada do que eu. Mas por muito tempo fiquei me perguntando se ela voltou pra casa achando que os cariocas eram fascinados com coisas leves, ou se eu havia criado esse fascínio nela. Afinal, ela é que sempre catava coisas pra me mostrar. Rafa, olha como essa caneta é leve! Pega essa barata, que levinha!

Eu nunca mais vi essa prima, mas fiquei sabendo que durante a adolescência ela desenvolveu anorexia. Prefiro acreditar que as coisas não têm relação, mas sempre que pego uma caixa de leite mais vazia que o esperado, meu coração aperta um pouco.