Memorial de mártires do IRA, em bairro 100% católico de Belfast.

A política lida com coisas exteriores: fronteiras, riquezas, crimes. O perdão autêntico lida com o mal no coração da pessoa, uma coisa para a qual a política não tem cura. O mal virulento (racismo, ódio étnico etc.) espalha-se pela sociedade como uma doença no ar; um acesso de tosse infecta todos os passageiros de um ônibus. A cura, como uma vacina, tem de ser aplicada a cada pessoa por vez. Quando momentos de graça ocorrem, o mundo tem de fazer uma pausa, ficar em silêncio e reconhecer que realmente o perdão oferece uma espécie de cura.

Em 1987, uma bomba do IRA explodiu em uma pequena cidade a oeste de Belfast, no meio de um grupo de protestantes que estavam reunidos para homenagear os mortos no Dia dos Veteranos. Onze pessoas morreram e sessenta e três ficaram feridas. O que fez este ato de terrorismo destacar-se de muitos outros foi a reação de um dos feridos, Gordon Wilson, um devoto metodista que havia emigrado para o norte vindo da República Irlandesa para trabalhar como negociante de tecidos. A bomba sepultou Wilson e sua filha de vinte anos de idade sob quase dois metros de concreto e tijolos. “Papai, eu te amo muito”, foram as últimas palavras de Marie, agarrada à mão do pai enquanto aguardavam quem os salvasse. Ela teve sérios ferimentos na coluna e no cérebro, e morreu algumas horas depois no hospital.

Um jornal mais tarde proclamou: “Ninguém lembra o que os políticos tiveram a dizer naquela ocasião. Ninguém que ouviu Gordon “Wilson vai se esquecer um dia do que ele disse. Sua graça subiu acima das miseráveis justificativas dos terroristas”. Falando em seu leito de hospital, Wilson disse: “Eu perdi minha filha, mas não tenho ressentimentos. Palavras amargas não vão trazer Marie Wilson de volta à vida. Eu vou orar, hoje à noite e todas as noites, para que Deus lhes perdoe”.

As últimas palavras de sua filha foram palavras de amor, e Gordon Wilson determinou esgotar sua vida nessa planície de amor. “O mundo chorou”, disse um repórter, “quando Wilson deu entrevista semelhante pela rádio BBC naquela semana”.

Depois de receber alta no hospital, Gordon Wilson liderou uma cruzada para reconciliação de protestantes e católicos. Os extremistas protestantes que planejavam vingar a explosão decidiram, por causa da publicidade que rodeava Wilson, que tal comportamento seria politicamente prejudicial. Wilson escreveu um livro a respeito de sua filha, falou contra a violência e repetiu constantemente o refrão: “O amor é o fundamento”. Ele se encontrou com o IRA, perdoou-os pessoalmente pelo que haviam feito e pediu-lhes que depusessem suas armas. “Eu sei que vocês perderam entes queridos, exatamente como eu”, ele disse. “Certamente, bastante é bastante. Sangue bastante já foi derramado.”

A República Irlandesa finalmente transformou Wilson em um membro do Senado. Quando ele morreu em 1995, a República Irlandesa, a Irlanda do Norte e toda a Grã-Bretanha homenagearam este cidadão cristão comum que ganhou fama por seu espírito de graça e de perdão fora do comum. Seu espírito denunciou pelo contraste os violentos atos de retaliação, e sua vida de pacificador veio a simbolizar o anseio pela paz dentro de muitas outras pessoas que nunca aparecerão nas manchetes dos jornais.

Philip Yancey, em “Maravilhosa Graça”

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