A teologia católica precisa de Lutero

Por: Tomáš Halík*

Aqui os pensamentos de Lutero. A fé que se abre para a Palavra de Deus, que se dirige a nós e nos salva em Jesus e em sua cruz, é, segundo ele, diametralmente oposta a uma religião, que (em vão, blasfema e tolamente) pretende subir a Deus pela escada das próprias construções teológicas, fantasias pias ou outros méritos intelectuais ou morais.

*Tomáš Halík é um padre católico, filósofo e teólogo checo.
*Tomáš Halík é um padre católico, filósofo e teólogo checo.

É provável que a teologia católica jamais compartilhará completamente do pathos desses sola protestantes passionais — sola = “somente” (somente por fé, somente pela graça, somente as Escrituras, somente na cruz); o princípio católico é o “tanto […] quanto” (tanto nas Escrituras quanto na tradição, tanto na graça quanto na liberdade da consciência e da vontade, tanto na cruz quanto na criação Deus se manifesta ao homem). Mas se a teologia cristã quiser ser verdadeiramente católica (i.e., geral, universal, que diz respeito a tudo), se ela realmente quiser fazer jus ao princípio da compatibilidade das aparentes contradições (“tanto […] quanto”), ela não pode ter medo desses tons dramáticos, ela não pode se fechar diante deles, ela precisa antes ouvir com cuidado e perceber sua profundeza e verdade. Se contemplássemos Lutero isolado da totalidade da tradição (principalmente daquela da qual ele nasce, i.e., não só de Paulo, mas também de Agostinho e, sobretudo, do misticismo alemão), ele seria realmente perigosamente unilateral; mas se o estudarmos nesse contexto amplo, ele passa a ser não só um grande teólogo, mas também um pregador, poeta e místico da cruz fascinante, muito próximo dos místicos espanhóis do início do Barroco.

Fonte: Toque as feridas, p.58, editora Vozes.

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