Como a morte da minha filha de seis meses afetou minha fé

Vítor Carvalho Ferolla
Coisas velhas e coisas novas
3 min readMar 26, 2024

Pensava que através da declaração das Escrituras e muita oração Deus curaria minha filha. Mas não foi isso que aconteceu.

Eu tive gêmeas prematuras e nos primeiros dias de internação na UTI, uma delas, a Laila, apresentou duas cardiopatias graves. Lutou muito, ganhou peso, enfrentou infecções. A única solução era cirurgia, mas nunca teve um momento ideal e estável para operá-la com segurança.

Aos poucos vi minha filha se tornando mais dependente dos medicamentos e aparelhos. E independente do que acontecia, sempre orei agradecendo a cura e declarando a alta médica dela no nome de Jesus.

A Laila lutava, eu e minha ex-esposa também, revezando nos cuidados com a irmã, Talita, que teve alta após um mês e 15 dias e já estava em casa. Algo que só foi possível com a ajuda de técnicas de enfermagem e babás para cuidarem também da Talita.

Embora eu já tivesse uma certa bagagem de leitura cristã sobre o sofrimento, com John Donne, C.S. Lewis, Dostoiévski e Phillip Yancey. Sou filho de pastores, criado em uma comunidade hipercarismática e aprendi muito sobre fé e cura com os livros do Kenneth E. Hagin.

Este autor, estava diagnosticado com uma cardiopatia e praticamente aguardava a morte em seu leito. E leu o versículo Marcos 11.24, nisto creu que estava curado, declarou a cura, e fui divinamente curado.

Bom, eu fiz o mesmo com minha filha e ela morreu. Será que faltou fé? Não creio que foi isso. Foi feita a vontade de Deus. Mas Deus quer que um bebê nasça com defeito no coração e morra aos seis meses? Não seria isso obra do Diabo? Não foi maldição hereditária por conta do pecado dos pais?

Não acredito assim, mas essa cultura de “fé = sempre vencer” ainda tenta colocar culpa no meu coração. Minha filha operou em um segunda-feira e não resistiu após isso. O quadro dela já estava muito instável. Menos de uma semana antes do falecimento da Laila, fui em uma reunião de oração, e um dos irmãos disse que eu estava com uma corrente no braço impedindo a cura, e perguntou sobre minha vida com Deus.

Nem sempre Deus vai curar, e Ele não se torna menos Deus por isso. Jesus venceu o maligno e declarou vitória sobre nossas vidas. Por outro lado, Jesus prometeu perseguição e aflições. Crer n’Ele não nos faz menos humanos que os outros, estamos sujeitos às mesmas dores, estas inclusive que o próprio Jesus viveu.

A dor é maior ao recusarmos a aceitar os acontecimentos. Isso se potencializa quando nos questionamos: “Como coisas ruins podem acontecer com pessoas boas?” Porém, quem pode dizer que é bom o suficiente? Por mais que tenhamos uma vida ética, o mal é uma condição do coração do ser humano. Todos cometem pecados. A maior surpresa no mundo está em receber o bem gratuito e enxergar a graça.

Por isso, talvez eu deva buscar entender o motivo da Talita ter sobrevivido e estar bem. Porque não existem argumentos humanos capazes de me fazerem compreender a partida da Laila. Nesse ponto a esperança da ressurreição, de encontrar novamente com Laila na eternidade é a maior convicção a se apegar.

A heresia da prosperidade nos faz buscar uma vida de vitórias, de conquistas terrenas, de um certo ideal de vida boa, chamada de “plena”. Porém, o Novo Testamento mostra os discípulos de Jesus vivendo angustias até a morte por testemunharem a ressurreição de Cristo. Foi o foco na eternidade que fez o cristianismo dos primeiros séculos causar o impacto que causou. Apenas uma crença bem fundamentada na Bíblia irá me fazer forte o suficiente para seguir cuidando da Talita e abençoando outras vidas.

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