Biblioteca improvisada

É uma história imperfeita, mas ainda assim é uma história de amor

Regiane Folter
Histórias que queria ter contado

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Há algo na maneira como ele a toca, no jeito que ele passa as mãos nas suas costas ou quando coloca um fio desalinhado atrás da sua orelha. Tão suave como um sopro de ar. Tão decidido, tão firme, com uma vontade que faz ela estremecer por dentro. Que faz ela querer rir e chorar, que faz ela sentir-se tão linda e tão perdida.

É nisso que ela pensa, nas mãos dele e nas mil mensagens de amor que elas transmitem, enquanto procura por ele no bar lotado. Ela, sentada em uma banqueta em um canto qualquer, cercada por pessoas em suas alegres expressões, com seus reluzentes drinques, com suas reluzentes roupas de sábado à noite. Ela, encolhida dentro de seus próprios pensamentos, quase pode ver a barreira invisível, tão fina e tão concreta, que a separa de toda aquela bagunça de álcool e conversas jogadas fora. Que a mantém imune aos ruídos e cores enquanto ela procura por ele na multidão. E quando ela o encontra, quando os olhos dele caem nos olhos dela, tudo para. Todos, absolutamente todos desaparecem, são varridos de suas perspectivas. De repente, a vastidão do mundo parece minúscula comparada com a intensidade daquele olhar. Não há nada além dos dois, dos olhos verdes nos olhos azuis, e todas aquelas coisas não-ditas e que ficam ainda mais bonitas assim, caladas.

Mais tarde, já em casa, quando os dois tropeçam um no outro, enquanto se abraçam perdidos na mistura embriagada dos seus perfumes e gostos, os livros que ela já leu formam uma pilha esquecida ao lado da cama. Enquanto ela se deita e as mãos macias dele fazem ela desfalecer aos pouquinhos, ela passa os olhos pelos nomes dos autores e histórias da sua biblioteca improvisada e, sem se ater a nenhum, pensa como aquelas palavras agora parecem vazias, tão distantes, tão pouco reais.

Tão frias.

Tão diferentes do toque quente dele, das pernas entrelaçadas, dos carinhos que os dois se permitem sussurrar. Palavras numa folha de papel não podem descrever àquela sensação de ser apenas um, mesmo sendo dois.

A história deles não é um conto de príncipe e princesa, de um amor matematicamente perfeito, de uma lua de mel sem fim. São duas pessoas marcadas por suas decisões, boas e más. São duas almas cinzentas, que se iluminam juntas, mas que têm cada uma à sua maneira suas próprias fontes de escuridão. Estão quebrados por seus traumas e por suas escolhas. Por isso se trata de uma história em que quase não há palavras, poucos adjetivos, poucos substantivos. O céu estrelado é o cenário e os verbos tomam conta da cena. Tudo que não falam, tudo que têm medo de dizer, demonstram com ações, com um fazer interminável, com uma energia que parece nunca acabar. Não é uma história sobre perfeição.

Eles não têm nada para dar e provavelmente vão tirar tanto um do outro, tanto, que a cada manhã estarão diferentes, mudados. Ele, tão ela, talvez até descubra o timbre agudo da voz dela em seu próprio riso. Ela, tão ele, suas linhas moldadas pelos beijos dele, pelas mãos dele, pelas mensagens de amor que ele nunca falou.

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Regiane Folter
Histórias que queria ter contado

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