Serenidade

“Me beije sob a luz de mil estrelas”

Regiane Folter
Histórias que queria ter contado
3 min readJul 12, 2017

--

Essa parte da canção pipocou em sua cabeça, como se as palavras fossem fogos de artifício. Menino e menina caminhavam pela praia deserta, mãos dadas, passos ligeiros por causa da adrenalina e da escuridão.

Não há luz naquela praia perdida, misto de aldeia hippie com reserva ecológica. Quase não existe eletricidade, nada de esgoto ou qualquer outra facilidade que mantém uma sociedade nos eixos. Curiosamente, em um experimento social não planejado, as pessoas de lá descobriram uma maneira mais singela de manter as coisas funcionando. Sem tantas regras, sem tantas preocupações. Areia e mar em profusão. De um lado estão as casinhas de madeira e tijolos erguidas com as marcas das mãos de gente comum, gente que não sabe muito sobre engenharia, mas que tem ideias criativas sobre como fazer coisas, como construir um chuveiro usando um balde e um buraco bem posicionado. Do outro lado há um farol e a cada 12 segundos seu feixe de luz surpreende os mais desorientados, assim como ilumina as três ou quatro ruas abertas diretamente na areia. Ali estão os restaurantes e bares improvisados embaixo de lonas, palmeiras e pedaços de madeira. Rústico, mas charmoso. Assim como o céu que fez ela se lembrar de uma canção.

As músicas que ela aprendeu a amar surgiam assim, de dentro dela, nos momentos mais inesperados. Naquela noite, os dois andavam à beira do mar, indo do lado dos bares para o lado das casas, em busca da luz amarela que indicava a casinha onde estavam dormindo naquele fim de semana roubado. Haviam fugido de suas vidas agitadas na cidade grande, cheia de regras, horários e lâmpadas incandescentes. O chão era um borrão negro, mas em linha reta, e eles não sentiam a necessidade de manter a lanterna acesa durante todo o trajeto. Depois de 24 horas conhecendo os segredos do vilarejo, era quase impossível não começar a tornar-se um nativo ou, ao menos, tentar ser mais parecido com eles. Olhos mais habituados à escuridão. Corações menos preocupados sobre o momento certo de dar um beijo. Mais satisfeitos com pequenas coisas, como uma fogueira, uma garrafa compartida e boas conversas.

Já passavam das duas, mas a escuridão não era completa. Havia o céu. Uma imensidão azul-marinho, com tons mais claros ou mais escuros aqui e ali. E as estrelas eram pontinhos brilhantes espalhados por todos os lados de maneira caótica, como se fossem o resultado de uma poeira cósmica que alguém de algum lugar mais acima sem querer assoprou. Cada estrela foi caindo de qualquer jeito, se agarrando como podia na rede escura da noite, formando um desenho que podia ser muitos, delicadas luzes que refletiam um pouco no chão, um pouco no mar, um pouco nos olhos dela enquanto encarava o céu, sem se preocupar em manter-se atenta ao caminho que seguia. Ela sentia a mão dele contra a sua e sabia que ele iria guiá-la.

Era como um sonho, era como viver a canção, e ela realmente gosta da beleza vaporosa de se sentir parte de algo maior que a própria vida. Como se fosse ela uma das estrelas que admirava naquela caminhada incerta; como se do outro lado do firmamento essas mesmas estrelas estivessem admiradas por ela, por sua liberdade, pelas mãos entrelaçadas.

Quem estaria mais invejosa? A menina, que queria ver um céu cheio de estrelas como aquele todas as noites? As estrelas, que queriam não mais estar presas ao céu e sim atadas às mãos de algum amor na terra? Quem brilhava mais? A menina, com as milhões de cores que carregava no vestido ou no corpo queimado de sol? As estrelas, com o branco puro e intenso que na verdade já deixou de queimar há muito tempo?

Não há espaços para perguntas em um lugar como aquele, porque buscar respostas não é tão importante quando se está ocupado demais vivendo. Talvez por isso a menina baixou os olhos e resolveu olhar o rosto dele, o rosto do menino ao seu lado, seus olhos verdes tão mais apaixonantes que o céu. Talvez por isso as estrelas desistiram de procurar um sentido para aquelas duas almas que caminhavam sozinhas pela praia e resolveram apenas iluminar o caminho para eles. E o fizeram, por toda a eternidade em que eles continuaram juntos.

--

--

Regiane Folter
Histórias que queria ter contado

Escrevi "AmoreZ", "Mulheres que não eram somente vítimas", e outras histórias aqui 💜 Compre meus livros: https://www.regianefolter.com/livros