Viagem no tempo

Nosso futuro vai se desenhando nas nossas cabeças.

Regiane Folter
Histórias que queria ter contado

--

E, sem querer, escorrega pra fora. Escorrega pelo ouvido, na voz que a gente escuta no fim do dia dizendo que estamos em casa e que vai ficar tudo bem, nas nossas próprias vozes que repetem várias e várias vezes os diferentes cenários, os planos traçados, as certezas mais frágeis.

Escorrega pelos nossos olhos, nas paisagens que a gente mesmo criou dentro de um quadrado de 8 por 5, nas minhas roupas ocupando uma parte do seu armário, das prateleiras abarrotadas de coisas dos dois, da minha bolsa pendurada ao lado do seu boné.

Escorrega pelas nossas bocas, nos beijos doces que a gente troca, nas palavras sussurradas que alimentam nossos sonhos, nos sorrisos que às vezes parecem tão largos como se fossem arrebentar, que às vezes são mais contidos e ativam em nossas cabeças uma mútua preocupação.

As linhas desse futuro a dois são traçadas dia a dia, num ritmo próprio, tempo considerado normal para o mundo, mas meio lento na opinião dessas nossas almas ansiosas e apressadas. As linhas desse futuro tem diferentes cores, às vezes quentes e alegres, às vezes mais cinzentas e carentes.

São linhas retas ou curvas, paralelas ou perpendiculares, tomam a direção que a gente pensa que é a melhor e, com o mesmo ímpeto que vão para um lado, podem de repente ir para outro. São linhas moldáveis, é um futuro que vai sendo construído ou desconstruído de acordo com as ideias que a gente entrelaça, essas ideias que escorregam de dentro dos corpos e viram palavras, projetos, piadas, preciosidades, porcarias.

Nosso futuro não existe.

Hoje, o que existe é a cama que abriga os dois. Os presentinhos bestas que já trocamos espalhados pelo quarto. As reflexões que a gente divide. As mãos entrelaçadas, o beijo jogado e mastigado. Nosso futuro hoje está em objetos baratos ou momentos compartilhados, pistas que se terminam, que acabam, que são digeridas, que nos nutrem, mas que se vão. Se vão com o tempo que passa, ou com o saco de lixo, ou se vão porque as perdemos.

O que não se vai é a vontade de continuar desenhando.

--

--

Regiane Folter
Histórias que queria ter contado

Escrevi "AmoreZ", "Mulheres que não eram somente vítimas", e outras histórias aqui 💜 Compre meus livros: https://www.regianefolter.com/livros