À Queima Roupa
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No ano passado ajudei com o financiamento coletivo do filme À Queima Roupa. A direção pedia dinheiro pra distribuir a película, porque temia que a exibição ficasse restrita a poucas pessoas.
“Fazer filme custa caro. Depois de pronto, o filme ainda precisa ser distribuído nas salas de cinema. As salas cobram para sua exibição e se não houver público ele fica pouco tempo em cartaz. Categorias como documentário, geralmente, não são atraentes para a circulação em salas comerciais, restringindo seus espaços de exibição e suas fontes de financiamentos (patrocínio) à recursos públicos. No entanto, esses recursos são limitados e disputados, o que dificulta e prolonga o processo de finalização de um filme”, argumentavam os produtores.
[pra quem não está acostumado com os custos do cinema, explico: “distribuir” significa ter o filme em diversas salas de várias cidades do país pelo maior tempo possível. Isso custa caro e depende do interesse do público. De nada adianta produzir uma obra-prima se ninguém vai ver.]
À Queima Roupa é uma obra-prima.
Vi o filme pela primeira vez hoje, no Canal Brasil. Ele conta a história das chacinas cometidas pela Polícia brasileira nos últimos 20 anos. Conta a história da nossa violência policial como nenhum outro filme jamais contou. E mostra porque essas corporações vivem em permanente estado de exceção, amparadas pela lei para extorquir, intimidar e matar. Grande parte das nossas polícias são grupos criminosos com permissão para destruir.
Não é só À Queima Roupa que denuncia isso: é um fato pronto. O que o filme faz é empilhar os mortos e promover terra arrasada diante de quem imagina ser possível defender esse sistema à base do “bandido tem que morrer”. Os bandidos não estão morrendo, eles estão puxando o gatilho.
O filme é muito mais do que eu esperava dele. A sensação que tive quando os créditos correram na tela foi a mesma de quando vi Notícias de Uma Guerra Particular ─ “vai ser difícil superar esse trabalho”.
Hoje estou um pouco mais velho do que na época do Notícias. E a idade a mais me tirou o gosto de imaginar que À Queima Roupa irá mudar o mundo. “Depois de ver isso as coisas vão melhorar”, pensei quando vi o filme do João Moreira Salles. Infelizmente sei que não posso esperar o mesmo, hoje, depois de terminar À Queima Roupa. Sou um pouco menos ingênuo. As coisas não irão simplesmente “mudar”.
O financiamento coletivo para a distribuição de À Queima Roupa foi um fracasso. Dos R$ 60 mil pedidos, apenas R$ 4.605 foram levantados.
O Catarse pediu se queríamos o dinheiro de volta, mas uma parte de nós, anônimos financiadores, decidimos deixar nosso investimento com os produtores da obra. Uma espécie de agradecimento por terem feito o que fizeram. Deixamos a nossa esmola, no país da esmola.
Os pensadores dos primórdios da Internet ficariam decepcionados em ver que em boa parte do tempo transformamos a rede em uma máquina de espalhar polêmicas vazias e passageiras em vez de viabilizar a disseminação do bem. O deslize da semana nos interessa mais. Onde está o execrável da vez? O apedrejável do dia já foi compartilhado?
Mas nós, aqui do futuro, estamos acostumados. Nós acordamos pela manhã mais interessados em futebol e Ed Motta. Mobilizar nossos contatos para levar às pessoas um filme como À Queima Roupa não geraria muitos likes.
Como me disse um amigo certa vez, ao me contar que a coleção sobre a Ditadura, do Elio Gaspari seria reeditada: “os trabalhos monumentais, no Brasil, não são reconhecidos”.
Parabéns, À Queima Roupa, por ser monumental.
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