Istvan Sandorfi

Aparente Aparência [parte 1]

Álisson Oliveira
{DEi | CHÁ}
Published in
4 min readJul 14, 2016

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Não é atual a concepção de que não temos uma real abrangência do nosso corpo em sua totalidade quando estamos na linha fronteiriça da percepção de nós mesmos. Há muito, o teórico russo Michael Bakhtin já se utilizava de uma série de formulações para poder explicar, de uma forma mais concisa, a genética de criação e o perfil de aproximação do personagem romanesco para com o homem real.

O todo espacial seja do herói ou do homem da qual se serviu Bakhtin, nos serve aqui para ao menos buscarmos compreender as pseudo impressões do que somos e do que buscamos vir a ser. Uma ressalva importante também reside na ideia de que nenhuma das reflexões aqui veiculadas visam encerrar um conceito. Não há pretensões de querer formular blocos intransponíveis, estando, portanto, sujeitas a contestações.

Um pouco de hermetismo

Vivemos de abstrações que não estão apenas restritas ao nosso campo de visão. Uma ideia prévia a ser explorada corresponde a já equivocada impressão de liberdade da qual dispomos sobre nós mesmos. Nenhum ato exterior nosso corresponde ao que acreditamos ser. E essa nossa manifestação/intervenção espacial perante aos demais seres distintos de nós segue uma linha de coerência própria que não pode ser totalmente monitorada pelo eu-interno, gerando com isso uma espécie de aprisionamento por mais que pareça ser totalmente arbitrária ao seguir os comandos de nossas vontades.

A realidade tangível do nosso comportamento é apenas uma forma aparente de consciência subjetiva que busca, sempre que possível, equilíbrio entre vivências interior e exterior. Esse elo dialógico não pode ser visto de maneira isolada, visto ser a interdependência de ambas necessária para não cairmos no caos de um antagonismo perceptivo. Em outras palavras, pode-se dizer que internamente o plano de consciência do sujeito está sustentado na inconsciência de uma visão do próprio corpo que não é suficientemente autônoma.

Parece bastante subversivo, mas nesses trâmites de significações somos quase sempre levados a acreditar, de alguma forma, que somos seres acabados, quando na verdade vivemos no marco de um sustentáculo que nos torna a realização daquilo que por ora deseja ser ou vir a ser. E o que será de fato o que somos?

Enquanto seres inacabados, precisamos de uma aparente aparência como forma de nos orientarmos confiantes. Daí a crença em mitos que se ligam diretamente ao eu completo, terminado e absoluto. Vida eterna, longevidade e outras formas de compreensão que nos aliviam a dura constatação puramente humana também nos servem exatamente para isso: tapear o máximo possível a interessante forma de viver sempre limitado.

O homem e a capsula

A vida requer de nós uma série de necessidades. Uma delas está centrada na forma como somos representados por nós mesmos externamente.

Por exemplo: a penúria da precisão em sermos amados e aceitos pelos demais está para a forma de estruturação de nossa exterioridade, como ela se apresenta. A humanidade como um todo, dispõe de uma preocupação pífia para com as suas capsulas representativas que ora nos envolvem de significações e representações, ora nos protege de intervenções externas mais sérias, resguardando, assim, as reais essências de uma identidade própria e desconhecida.

A vivência externa por si só já é um perigo grandioso, já que podemos intervir e termos dela uma ação responsiva, o que nos força a negar que não há um involucro ou camadas dos nossos modos de ser e agir, que somos autênticos, éticos e coerentes. Desta maneira, representamos para todos, e até mesmo para nós mesmos, papéis diversos enquanto dramaturgos personagens gregos em cena. A problematização nisso tudo não está na autoconsciência desta percepção — daquilo que aplicamos como forma una aos outros — mas na maneira como gerenciamos os diversos invólucros ajustáveis às situações diversas. A instabilidade, portanto, reside na evidência de que sejamos descobertos em contradição; de que isso possa fazer ruir os aspectos que nos constituem estáveis, centrados e, antes de tudo, donos da capacidade de razão.

Não há atuações quando tendemos a preservar o bem-estar interno. E grande parte dessa preservação está em não revelarmos nossa real identidade essencial para então defesa de um eu interior caótico, irregular, mutável e porque não condenável.

E assim, os juízos de valor vão sendo os constituintes de nossas características identitárias. Nos guiam, oras nos paralisando, outras nos fazendo viver. É em face delas que nos ajustamos ante o reflexo de uma autoconservação puramente instintiva, sendo que nessa relação nos é atribuído um juízo advindo de seres tão desajuizados quanto nós e tão cheio de camadas quanto uma cebola.

Abaixo segue um pequeno vídeo independente e um link com as principais artes hiper-realista do húngaro István Sándorfi (1948–2007)

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Álisson Oliveira
{DEi | CHÁ}

Professor de literatura, ilustrador e estudante de design gráfico. Vintage; avant-gard; Kubrick; paroxetina; queer; Bauhaus; Esher; Taxi Driver.