Charles Cosac em seu exótico apartamento em São Paulo, por revista Piauí

A EDITORA QUE NÃO SOBREVIVEU AO SEU INTUITIVO MODO DE SER

“Ela foi muito espontânea, totalmente amadora, de dar pena…”
[Charles Cosac]

Álisson Oliveira
{DEi | CHÁ}
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4 min readJul 31, 2016

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Não faz muito tempo que Charles Cosac fez um pronunciamento ao Estado de São Paulo relatando as suas dívidas em milhões de reais. Não faz muito tempo que perdemos uma das maiores e mais conceituadas editoras do país, referência em livros de arquitetura, artes, moda e clássicos universais. Também não faz muito tempo que se começou uma corrida desesperada — em decorrência desses dois últimos fatores — para se adquirir diletos livros que, daqui há alguns anos, vão virar itens de colecionador dentre os mais de 1.600 títulos restantes em ponta de estoque. E mesmo diante destas constatações de finitude, não é ainda palpável estruturar crença mínima para a ideia de que a Cosac Naify tenha fechado definitivamente suas portas antes mesmo de completar 20 anos no mercado editorial.

Os fundadores do grupo não mencionaram a possibilidade de falência em meados de dezembro do ano passado, deixando claro que as dívidas não foram o motivo central para o encerramento de suas atividades (se bem que a finitude de algo no Brasil beira sempre à sinônimo de derrocada). Em lugar disso, deu-se destaque a um aspecto característico mantido como elemento-chave e que fez a empresa resistir digna em meio aos desmandos editoriais nos seus últimos dias: a honestidade para com o público na manutenção da identidade inicial do projeto no que diz respeito à linhagem artística e à qualidade de suas edições que já não mais encontravam possibilidade de subsistir.

A queda da Cosac não foi tomada por muitos como uma surpresa. Na realidade, só passou a ser mais uma lastimável comprovação de que o mercado editorial no país nunca esteve maduro o suficiente para editorações que privilegiassem o tratamento apurado para com à alta literatura. Os investimentos milionários e a supervalorização dos títulos individualmente tratados quase que artesanalmente fizeram com que a editora se colocasse numa espécie de limbo financeiro arriscado, já que não havia, como afirmou Charles, nenhuma “grande estrela” que sustentasse ou encobrisse os custos altos de edições consideradas caras para os parcos niqueis dos nossos leitores tupiniquins.

Realmente não há no país do carnaval uma tendência de investimentos em acervos e itens de coleção intelectual. Isso se deve em partes a uma série de razões que vão desde à não difusão do conhecimento ao pouco incentivo e democratização da educação literária e artística pelas famílias e governo incultos. Diante disso, há quase que costumeiramente outras paixões, outros atrativos para nosso povo que custam tão caros quanto uma coletânea de livros. Este redirecionamento de interesses é o responsável pelas já conhecidas estatísticas de que os ingleses leem anualmente mais do que os brasileiros e que nos responsabiliza também pelo brutal abismo criado para engolir a Cosac Naify.

E não foi por falta de tentativas que a Cosac findou, duas foram as estratégias aplicadas pelos editores para tentar reergue-la. Uma das pedras-de-toque estava em uma edição comemorativa de Carlos Drummond de Andrade que nunca chegou a ser lançada em razão de um minucioso trabalho artístico de composição que durou cinco longos anos. Inacabado, teve seus direitos repassados à concorrente Companhia das Letras que monopoliza boa parte de todos os títulos populares no país. Clarice Lispector foi, portanto, a segunda grande investida que não chegou a obter nenhum grande trato editorial como a anterior, dada a difícil negociação dos direitos para publicação.

Com tais desníveis, nos permitimos apenas lamentar profundamente que a editora não tenha saltado vigorosa de seus escombros, deixando-se, portanto, morrer tal qual uma vítima em função das dores do não lucro. Em entrevista à revista Piauí, Charles comenta ironicamente esse sentimento. Segundo ele, nada é mais respeitável e, não menos, legítimo do que o direito que lhe é atribuído de ter criado e consequentemente acabado com a editora. E fez isso de uma maneira muito própria como numa espécie de eclipse eterno.

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Álisson Oliveira
{DEi | CHÁ}

Professor de literatura, ilustrador e estudante de design gráfico. Vintage; avant-gard; Kubrick; paroxetina; queer; Bauhaus; Esher; Taxi Driver.