ALGO SOBRE O AMOR
Escute isso, criança:
Chegará um dia,
(este já veio para mim),
Onde teus símbolos perderão o sentido.
De nada adiantará acreditar;
Seja em heróis
Seja em deuses
Seja em poetas.
Você precisará crescer.
O Universo te cobra isso.
E você terá que ir à luta — seja lá onde isso for.
No caminho
Será advertido:
‘é proibido animais’
E terás que deixar para trás
Aquele que te acompanhou por toda vida
(tudo bem — você pensará — ele já está velho).
E você amarrará o seu cão
Ao poste de um beco escuro,
Esperando que ele morra.
Mas, ele não morrerá (não agora).
O tempo passará e você tentará esquecê-lo.
E até conseguiria — se não fosse as noites insones.
Mas isso não será o suficiente.
Você perseguirá seus objetivos
Sem se importar com aquele cão
Com aquele beco com aquele poste.
Um diploma de bacharel em alguma coisa;
Outro diploma, tão insignificante quanto o primeiro.
Um maço de cigarros, livros velhos e poeirentos.
Uma escrivaninha manchada de café e vinho,
Pilhas de poemas ruins que nunca deveriam nascer.
E você o ouvirá latir.
Uma. Duas. Três vezes.
Mas você se julgará ocupado.
E você lembrará o quanto foi popular.
Como as garotas gostavam de servir-te de inspiração;
E, sem escrúpulos algum, você eternizava-as em suas linhas…
Você imaginava que seria sempre assim — não é mesmo?
O que mais você precisará provar?
Quantas conquistas ainda te faltam?
Nada disso será suficiente.
Sua criatura sarnenta ainda latirá.
Por mais que você o ignore,
Sempre latirá.
Até que um dia,
Por desespero ou aflição,
Você sairá à noite decidido a acabar com isso.
Pegará sua velha arma,
Um calibre 12 com cano cerrado,
E partirá ao encontro desse velho animal.
Procurará entre as criaturas noturnas
Daquele beco escuro — mas não menos escuro do quê sua alma –
Que merda!
- você exclamará –
Isso é só um cão.
Um pobre cão dos infernos.
E você o encontrará
Dentro de uma lixeira
Enfraquecido pelas poucas oportunidades
E, mesmo assim, ele ficará alegre ao te encontrar.
Você levantará sua arma.
Suas mãos tremularão em explícito vacilo.
E ao fitá-lo em sua mira, pensará:
Aonde viemos parar?
Por alguns segundos
Esquecerá tudo
Seu emprego medíocre
Os diplomas inúteis
Os falsos amigos
E, novamente,
Você pensará, ensimesmado,
Que poderá fugir daquilo.
Até que um dia
Os remédios não te acalmarão mais
A bebida não te consolará mais
A rotina não te enganará mais
E você seguirá!
Divagando pelos becos da cidade
À procura do seu pequeno cão…
O seu maldito cão dos diabos!