As aparências esganam
Sobre estética, padrões e coisas saturadas sempre em pauta por não se resolver.
Antes de dormir assisti ao relato acerca do ex-estrabismo de Paulo Cezar Goulart Siqueira, o famosíssimo PC, que nome belo, o que já deve lhe ter causado uma inicial estranheza por não saber e assim, talvez, também achar. Ou não. Enquanto no vídeo ele expunha dados de pesquisas acerca do impacto social e econômico na vida das pessoas que sofrem com esse desvio no olho, porém não no olhar (e isso é o que importa, sem demagogias), eu percebi que não conseguia parar de olhar nos olhos dele enquanto ele falava, fixamente, com o passar dos minutos notei que assim também o fazia antes do procedimento cirúrgico. Nada mudou, para mim, para você, que sabe o que realmente é válido, é evidente, sim. Mas para ele mudou tudo, menos o mundo, que mais necessita mudar.
Está lá, no currículo, comprovadamente apto! E na foto 3x4 está também comprovadamente o estrábico. Então decide-se pelo de olhos retos, mesmo que com visão torta ou estreita. O que fazer? Há sempre um “mas” e “porém” ou “ainda que” na fala dos ignorantes. Porque “Ela é tão bonita, mas é vesga”, “Ele fala tão bem, seria um excelente atendente, porém tem os olhos trocados” ou “Eu namoraria ela(e) ainda que sendo vesga(o)”. Esses “ses” dos apáticos que fazem sujeito perder o jeito e se sujeitar a sujeira de quem caiba decidir por eles ser e ficar.
“Beleza não põe mesa”, bem diziam-nos nossas avós, quando o mundo de seus Deuses foi mudando, ficando torno, torcido, distorcido não. E a beleza vem pondo cama, mesa, banho e lugar ao sol. Então a gente faz a barba, malha e malha, esconde a tatuagem, tira pelo, pinta a maquiagem, corta o cabelo e a personalidade e a raiz. Normativiza, generaliza, esteriliza, iza, iza e iza a mais. Conserta, com erradas. Que fazer se tem olhos trocados? Se tem corpo alargado ou esguio demais? Se os dentes são desalinhados? Se os cabelos são revoltados? Se o rosto não é afilado? Se a cabeça não é carioca? Se o peitoral não toma forma? Que fazer com as coxas não grossas? Fazer, o quê, com a ignorância de quem tanto olha e nada vê? Tem que mudar!
Paulo Cezar Goulart Siqueira é não apenas um vlogger de sucesso, mas antes de tudo, um artista, um ilustrador de talento, uma mente à frente de seu tempo, de ideias pulsantes, um colorista brilhante, e sim, também formador de opinião. Não é nem de longe uma defesa, minha opinião tão somente, é seu currículo, o que se sabe sobre o seus dons, suas capacidades, talentos vários. Porque a posição dos olhos sobrepôs-se uma vida inteira, em determinados casos (que só ele sabe ao certo, na pele), a sua posição intelectual então? O convite é a reflexão.
Não é um chamado ao politicamente correto, que tanto se fala, e se faz questionar quem não quer ou não faz questão de “se ligar”. Mas se você faz mais comentários sobre o defeito estético de alguém que de suas aptidões pessoais ou mesmo defeitos morais (o que também não lhe cabe julgar), algo precisa ser revisto em suas relações interpessoais, no seu caráter e no modo de relacionar-se com a sociedade como um todo.
Veja bem, o bullying pode até ser um processo natural na crueldade da infância, e isso também é questionável e preciso debater na educação de casa, mas é nesse tempo que fomos crianças, é preciso hoje crescer! A vida não é esse eterno recreio da quinta serie que as redes sociais fazem parecer. E numa fala muito acertada do velho-novo-mesmo PC ele antecede as falas (que já se lê semelhante nos comentários) dos outros e as reconstrói também “E agora né PC? Porra PC, agora você perdeu sua identidade, você perdeu sua graça” e ele responde a si sendo os outros “Cara, eu sinto muito, se a graça para você é o defeito de outra pessoa, eu só posso lamentar”. Já é possível em seu depoimento gravado ver a confiança na sua aparência brotando. Autoestima nascente. E com ele vibro, pois sou empático, mesmo sem o conhecer de fato. Teve e tem muito do que PC passou na minha estória de vida. E se na sua também, vamos repassar e aprender.