Assimetria dos afetos
A dissonância entre o eu, o outro e nossas linhas do tempo imaginárias.
Por esses dias eu pude crescer mais um pouco em algumas leituras nada básicas sobre os afetos, os amores, os ideais românticos e a moral. Me peguei curioso sobre a condição não convencional a que me encontro mal colocado, por assim dizer. De uma hora para outra deixara de ser louco de amores e passei a louco no prontuário clinico psiquiátrico. Afora tudo que já havia lido no decorrer da vida e do caos, fui surpreendido com as proposições e reflexões construtivas acerca da desconstrução de tudo isso que a gente toma por certo mas que a Laura Pires acerta que não.
Já reparam que estamos sempre a tomar por base a ideia que fazemos da ideia que o outro pode estar a fazer sobre qualquer situação complicada a resolver-se numa relação? E o problema de tudo é apenas a falta de comunicação verbalizada. Temos uma obsessão por buscar eternamente novas formas de enigmatizações de nossos reais anseios, sentimentos e desejos numa relação. A ilusão é de que só somos realmente interessantes se formos um mistério a ser desvendado. Quando na real só estamos sendo chatos, cansativos e infantis. Crianças querendo novos joguinhos pra passar o tempo e sair da rotina de lições de casa.
Tempos atrás me vi em umas dessas relações dissonantes. Eu não queria um relacionamento rotulado, não queria namorar ou casar ou ter filhos, nem tão pouco somente sexo, deixei isso muito bem claro. Decidimos por sermos amigos porque eu não era sexualmente interessante aos seus olhos, aparentemente eu estava querendo algo muito além, e tá… Eventualmente aceitei a contraproposta. Somos amigos então. Os dias passaram e meu cartão de memoria volta a lotar com fotos e vídeos eróticos e propostas de sexo e mensagens que começam com “meu amor”. O que eu posso fazer? Só tenho controle sobre o que EU sinto afinal.
Analogamente parece ter sido criada uma nova torre de Babel a dividir o amor em milhares de línguas para que ninguém possa se comunicar bem com muita facilidade. Quando o assunto é relacionamento, o ser humano é o único animal que faz perguntas indiretas das quais já sabe a resposta, mas fica absolutamente perplexo quando elas finalmente são dadas.
Tudo bem ir direto ao ponto. Não tem problema dizer em palavras o que anda lhe incomodando. E ok também se a resposta não for agradável ou sequer for dada. Acredite ou não, você só vai saber perguntando. Deve de existe algum prazer inconsciente na sensação de medo de perder alguém que amamos no simples ato de falarmos que ela estar nos machucando. Ora, se falar algo que está a lhe incomodar pode vir a afastar de vez o seu amor, pode que esse amor nunca tenha realmente pretendido ficar.
“Nós aceitamos o amor que pensamos que merecemos.” — Stephen Chbosky
É tão difícil a vida nesse plano, imagine então a criação de um multiverso imaginário em paralelo a coexistir com o real? Esse lugarzinho na sua cabeça onde o “Se” é o líder supremo, e o tempo verbal é o futuro de um pretérito nada ideal. Todos em algum momento da vida já deva ter sentido o peso de viver sob a expectativa de um outro, seja quando seus pais queriam aquela faculdade, ou quando seus amigos queriam que você fizesse aquela coisa, ou seus colegas de trabalho dependiam de você pra isso ou aquilo, ou naquelas situações em que se você não fizesse algo ninguém fazia. E o que aprendemos com tudo isso? A fazer exatamente o mesmo com os nossos parceiros de vida, é claro. Porque foi algo muito bom de se sentir na época e eles merecem toda essa carga, mesmo sem fazerem a menor ideia do que se passa.
Tratamos o outro nas relações como projeções fantasmas de nossas concepções imaginárias. Imaginamos que estamos sendo traídos, que estamos sendo enganados, que não somos mais amados, que não somos mais desejados, que ele ou ela tá com raiva disso ou daquilo e estão errados, que estamos prontos a sermos largados. E o que fazemos em cima disso é produzir um sentimento ou um ato ou uma reação real tomando por base achismos e especulações de maneira totalmente unilateral.
Esquecemos que uma relação seja ela a dois ou a três ou a mais, em qualquer rótulo ou falta dele que se encontre, ela respeita a individualidade sim, mas é também um acordo entre as partes. Não é muito honesto ficar a delegar suas responsabilidades, principalmente sem informar para quem você acha que terá de lidar com elas, quais são e o porque de serem e estarem.