CADÊ A FARDA?

Samuel Lemos
{DEi | CHÁ}
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8 min readJul 17, 2016
Jacaré! Vá pra casa!

A fênix ressurge das cinzas! Pelo menos é isso que a literatura fantástica escreve…

Rodrigo é um daqueles céticos, não por desconfiar da existência das fênix, mas por contextualizar no tempo e espaço os feitos de cada criatura — seja ela mitológica ou não. Segundo ele, ressurgir para a Fênix é fácil! Ela tem 500 anos de vida! Isso terminar por deixá-la acostumada a tudo. Faça chuva ou faça sol a fênix está sempre lá: vivinha da silva! Tendo fichas, continue infinito e um pai dono da locadora é fácil! Ela não passa de um galináceo hiper-desenvolvido! Rodrigo questionava se ela teria essa habilidade caso tivesse que passar por momentos humanos e cotidianos como no caso de um típico dia da aparentemente sem graça vida do nosso herói.

Era um dia comum! Acordar às 5 horas da manhã para ir à única escola pública paga da história. As chuvas não haviam permitido que ele lavasse sua farda, o que em sua avaliação era mais uma das muitas conspirações do universo contra ele.

Fazer o quê? De boas! No Problem! Não fazia mal… Humf! Sussa! Xápalá!

Ele iria mesmo assim, apesar de começar o dia ouvindo gritos de:

Seu irresponsável vagabundo pilantra marginal sujou a farda na terça e nem lavou… — caro leitor, não me julgue analfabeto por não pôr as vírgulas. Elas representam uma pausa na fala, coisa que não acontece em xingamentos de mães enfurecidas. Agradeça-me também por resumir a fala da progenitora de nosso herói, afinal, este texto é de família e não cabe tudo que Rodrigo ouviu ali.

Após ouvir uns gritinhos matinais, seguidos por maiores demonstrações de carinho, Rodrigo saiu de casa para pegar o ônibus achando que nada de pior poderia acontecer. Ele se locomoveria 50 km em um ônibus cheio de gente sonolenta que, em maioria, dormia nas cadeiras. Ingênuo… Este dia ele perceberia uma verdade mais forte que a flexibilidade do rabo da lagartixa: A vida é um calango na mata: Nunca se sabe aonde as surpresas podem acontecer. Após quase não subir para o ônibus porque o motorista que o conhecia estava de folga e o novo nunca ouviu falar de estudante ir pra aula sem farda, ele descobriu que além de não ter nenhuma cadeira vaga, ainda teria que ir em pé, e pela lotação do ônibus, encostado no lixeiro — que inclusive fica do lado da porta do banheiro, que por mais uma treta do universo estava quebrada e tinha um presente atolado.

Fazer o quê? De boas! No Problem! Não fazia mal… Humf! Sussa!

Chegando à escola surpreendeu-se! A cidade, caracterizada pelo seu clima quente, estranhamente nesse dia tinha um friozinho bom e um cheirinho de chuva circulava nas ruas. Olha só minha sorte mudando! Reviu esta ideia quando foi obrigado a molhar os pés na lama para atravessar a rua.

Entrando na escola esbarrou com um valentão que além de jogar seus livros no chão sujo, ainda chamou uma galera para levá-lo ao banheiro para usar a cabeça do nosso estudante como desentupidor de privada.

Seguidamente o supervisor logicamente não o deixou entrar… Rodrigo fedia a lixeiro, e tinha um amarelo estranho como tonalidades extras no cabelo, além de alguns pontos pretos que cheiravam a vocês sabem o quê, na cara. Mas, sobretudo: estava sem farda.

Fazer o quê? De boas! No Problem! Não fazia mal… Humf!

Ele iria à casa de uma doce amiga Fernanda. Sua paixão infantil. Amada pro ele tal qual Shakespeare amou a literatura, tal qual Van Goth amou a pintura, tal qual Bolsonaro ama coisa alguma, tal qual… Ah! Vocês entenderam!

No caminho uma chuva o pega de surpresa.

Que sorte! Uma parada de ônibus! Não vou me molhar!” — pensa nosso bravo estudante! Quando Rodrigo se acomoda no banco, passa um sujeito na bicicleta. Ele pára e se senta puxando assunto com nosso já mal humorado herói:

– Ô tempo hein!?

– É…

– Pensei que não ia chover esse ano!

– É…

– Chegou aqui agora foi boy?

– É…

– Você só sabe dizer é, é!?

– É… — Frustrado com não conseguir puxar um diálogo, o ciclista desiste e fala alto, mas como quem diz a si mesmo:

– Bom! Essa chuva aí não vou conseguir chegar em casa agora! Fico logo agoniado quando não tenho nada para fazer! Vou pelo menos dar uma bola aqui…

– É… peraí?! Dar uma bola!? Ãhn!? — Antes de nosso herói terminar a frase, o sujeito já acendia um baseado.

Fazer o quê? De boas! No Problem! Não fazia mal…

Nada aconteceria! Rodrigo não havia nem dado cabimento ao sujeito… Mas a vida, esta famigerada gozadora de calças de jazz, tão fugaz quanto um calango na mata mandaria outra surpresa. Antes mesmo de Rodrigo terminar aquele pensamento, passava uma viatura. Infelizmente, por várias razões, eles procuravam justamente aquele elemento. Pararam então para o procedimento padrão, nada demais… Uma leve conversa regada a tapas, chutes… Mão na cabeça daqui… Teje preso dali… Até que pararam para travar um diálogo muito inteligente:

– O senhor está fumando maconha?

– Nam num tóu não… ruamash… comprei ali esse cigarrinho por doi real… ruamash…

– O senhor está fumando maconha?

–Naum toú naum ruamash…

– O senhor está fumando maconha?

– ruamash… — É… Não dá pra culpar muito o policial…

Rodrigo fingia que nada acontecia, até que “Uz omi” vão em sua direção e começaram a interroga-lo:

– E você boy? Tava fumando também? — Rodrigo desesperou-se! O que fazer?

– Não! Não! Eu sou estudante! Sou estudante! Gosto disso não pô!?

– É o que rapaz? Que mané “pô”!? Ta me achando com cara de marginal como vocês? E se você é estudante cadê a farda do colégio? E o que você está fazendo fora dele? E não me venha com gíria! Diga sim senhor pra cada coisa que eu disser!

– É que ontem choveu e eu não consegui…

– Cadê o “sim senhor”? Ta me desrespeitando rapaz!?

– Sim senhor! Digo não…

– O quê!?

– É que… Eu não…

– Revistem ele! — Sabe aquele dinheiro achado no bolso da calça que nem nós sabíamos que estava lá? Bom… Em certas ocasiões, quando o Universo está em uma inexorável conspiração contra você, nem dinheiro achado cai bem. A polícia encontra justamente dois reais no bolso de Rodrigo.

– Senhor, este meliante vendeu a droga para este outro! — Falou o policial que revistou o infeliz molhado, cagado e sem sorte aluno areiabranquense.

– Você é uma vergonha para os estudantes! Sabe que meu filho é estudante?!

– Senhor, mas eu também sou!!! Senhor… “Sim senhor”!

– Sabe por que não é!? Por que não está na escola! Em vez disso fica vendendo droga! Não tem vergonha? Camburão!!! — Depois de ser convidado pelo pescoço a compor o assento traseiro do veículo policial, Rodrigo vai parar na delegacia.

Fazer o quê? De boas! No Problem!

Não fiz nada de errado!, repetia incansavelmente nosso herói para si mesmo. Tentando não chorar e refletindo sobre o quanto seu dia teria sido diferente caso estivesse fardado, ou morto, afinal, sua mãe bem que poderia ter feito esse favor mais cedo. Como último recurso, Rodrigo tentava acesso a seus direitos:

– Posso fazer uma ligação?

– Devia ter pensado em ligações em vez de pensar em vender maconha!

– Mas é meu direito uma ligação!

– Devia ter pensado em direitos antes de vender maconha!

– Mas eu posso provar que sou inocente! É só ligar pra minha mãe!

– Devia ter pensado na sua mãe antes de vender maconha! — Não havia outro jeito, era esperar e ver no que dava. Após uma hora de devia ter pensado nisso e naquilo, Rodrigo conseguiu ligar pra casa:

– Alô! Mãe! Eu…

– Seu vagabundo! Charlatão! Sem Vergonha! O que você quer?

– Não mãe, num é nada de mais… É que… Eu fui preso e…

– O que?! — Após um grito ainda mais alto que o normal e por isso causador de medo e grandes recordações, houve um silêncio na linha.

Então deixe eu falar com o policial! — Apesar de achar estranho ela sequer questionar a razão para a prisão, Rodrigo ficou feliz! O que de pior poderia ocorrer? Agora era só ela mexer uns pauzinhos e ele sairia dali rapidinho. Ingênuo… Eu disse anteriormente que neste dia ele estava destinado a aprender que a vida é um calango na mata: Nunca se sabe (a)onde as surpresas podem acontecer;

– Alô?! Oi senhora!

– Seu poliça! Deixe esse fí de uma quenga por aí mesmo! E eu processo você se deixar ele voltar pra casa! E TENHO DITO! — Rodrigo achou estranho ter ouvido poucos gritos e uma pancada de telefone, viu inclusive um sorriso malicioso no policial que o assustou.

– E aí!? Já posso ir embora?

– Claro! Quando saírem flamingos dourados das águas de março! Seu fresco sem vergonha! Ficará aqui até o dia que o São Paulo vencer uma copa do Brasil! — Aquilo não era possível! Tudo isso por causa de uma farda?

Fazer o quê? De boas!

Após mais uma hora de tensão surgiu o traficante que, entre outras tretas, tinha assumido a venda de maconha na região, logo, ao ciclista doidão! E sem mais nenhuma acusação concreta, Rodrigo descobriu que o delegado apenas queria lhe dar uma lição por não estar na escola no horário de aula. E precisava bater tanto pra isso? O policial ainda tentou lhe oferecer uma carona até sua escola, mas após tantos dissabores, uma caminhada pelo ameno clima mossoroense (coisa rara de se ver) talvez lhe fizesse bem.

De volta às ruas, ele pensava: Pelo menos não molhei a minha camisa… Caro leitor, imploro que jamais se esqueça disso: A vida é um calango na mata! Nunca se sabe (a)onde as surpresas podem acontecer, e pouco antes de terminar este pensamento, passou um carro e o molhou.

– Vá molhar a mãe! — Foi o brado mais inflamado que Rodrigo já soltara na vida!

– É o quê rapaz! — Ele não esperava que isso acontecesse, mas o carro parou e deu ré até próximo ao irritado estudante, que em sua ânsia por descarregar fúria gritou novamente a planos pulmões:

– Vá molhar a mãe!

– Traga a sua aqui!

– Como é? — Tomado pela cólera Rodrigo chutou uma poça de lama pelo vidro do carro, molhando o motorista. O sujeito saiu do carro e partiu para cima do rapaz. Após levar alguns tabefes, apareceram alguns moto-táxi, que separaram o conflito.

Fazer o quê?

Pelo menos Rodrigo ainda teria sua doce Fernanda! Mais doce que um dindin de côco, mais graciosa que o Lula bêbado, mais delicada que o vocalista do Matanza, mais… Penso agora: essas comparações são mesmo necessárias!?

Nosso herói só esqueceu-se de avisá-la que chegaria em sua casa pela manhã, então teve a desagradável surpresa de encontrar sua amada aos beijos com o policial que tentara mantê-lo lá até o apocalipse.

Pelo menos não se atrasaria para pegar o ônibus e voltar para casa em mais uma calma manhã de aula… E de fato foi o que aconteceu! Chegando na hora, pegou o ônibus. Entrou já em guarda esperando a próxima que aconteceria… Mas… Curiosamente nada de novo! Tinha até cadeira vaga! Sentou-se e dormiu como um bebê pensando: É… A vida é mesmo um calango na mata: Nunca se sabe aonde as surpresas podem acontecer.

Descendo do ônibus nada de pior poderia acontecer pensava nosso herói, mas aí ao chegar à rua de casa encontrou todas as suas coisas na rua, com um cartaz grande nelas dizendo: VENDE-SE!

Mas isso aí já é outra história que após comer esse maldito calango talvez eu conte…

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Samuel Lemos
{DEi | CHÁ}

Pai de Gabriel Curinga e nas horas vagas, ArCaNj0 Pescador de Ilusões.