Goiabas, cães e suicídio.

Luiz Luz
{DEi | CHÁ}
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2 min readAug 15, 2017

Lembrou-se das horas felizes de sua infância, quando, atrepando-se nos galhos da goiabeira, via o que achava ser o mundo inteiro. E, lá do alto, esticava-se ao máximo, até tocar o saboroso fruto daquela árvore. A felicidade, para ele, tinha gosto de goiaba tirada do pé e comida na hora, ainda atrepado.

Meditou. Os dias estavam terríveis. A vida tinha lhe sido cruel. Inegavelmente, para ser feliz, precisava mais do que uma goiaba fresca. Chorou. Seu cachorro era, naquele momento, seu único companheiro. Pensou em recuperar os dias perdidos da infância. Quis, novamente, sentir o vento embalando os seus cabelos. Lá do alto, onde a tristeza não lhe acharia. Dependurou-se nos fios daquela rede.

Moveu-se freneticamente enlaçado pelas dezenas de filamentos dos punhos daquela malha. Seus pés, a um palmo do chão, moviam-se como quem corria pela areia fina da praia. Seu cão observa. Lágrimas e suor tomam conta do seu corpo. Seu cão observa. Respinga pelo chão as primeiras gotas de seus fluidos corporais. As paredes daquele barraco de taipa acompanhavam silenciosas àquela cena. Nenhuma palavra de consolo sobrara para aquele momento. Seu cão observa.

Apenas o seu cão, seu fiel cão, pôde despedir-se adequadamente.

Ao perceber a necessidade premente de alguma ação, o seu cão, lambeu os seus pés como gesto derradeiro que selava uma história de cumplicidade, e, que, nem mesmo as temíveis notícias que o futuro resguardava eram capazes de deturpar a beleza daquela amizade.

Um estalo quebra o silêncio que as paredes de taipa insistiam em manter. Não, não era a quebra de um galho da goiabeira — antes fosse — era o barulho de seu pescoço. E seu corpo foi mergulhado num oceano de inanição precoce. Seus pés acalmaram-se. Já não havia mais areia da praia para correr. E, finalmente, lá do alto de sua goiabeira, atrepado entre os fios dos punhos daquela rede, ele sorriu.

Estava, enfim, em paz.

E, há quem diga, que, neste dia, um forte cheiro de goiaba adensou a atmosfera da ilha. E, nós, seus amigos, não nos esqueceremos — jamais.

Ele me chamava de Pirata.
Eu, o chamava de Pequeno.
Nós éramos assim…

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Luiz Luz
{DEi | CHÁ}

Poeta, Pirata e Dono da Lua. Instagram: @LuizLuzPirata