Goodbye, blue sky

Márcio Rocha Nery
{DEi | CHÁ}
Published in
3 min readJun 7, 2016

Ou cubas libres, pero no mucho

Goodbye, blue sky, goodbye, blue sky, goodbye…

A agulha da radiola incansável, percorre os sulcos do velho vinil enchendo a pequena sala de Pink Floyd, num volume opressor. O cinzeiro de barro transbordando já de pontas de cigarros Marlboro, impregna o ambiente de um forte cheiro de sarro. Sobre o tapete branco e felpudo, uma camiseta roxa divide espaço com short, cueca, LPs antigos, uma garrafa de Montilla pra baixo de meia, um pratinho com limões e uma garrafa de Coca-cola… um copo longdrink periga escorregar da mão inerte que o segura… seria bom um pouco de gelo… mas… apenas de tempos em tempos um movimento automático e preguiçoso ergue o copo até os lábios para um demorado gole, seguido de uma tragada forte…

Amarelada pelo tempo uma lâmpada incandescente de poucas velas pende do teto preenchendo o cômodo com uma luz âmbar e difusa. Ele preferia a luz apagada, amava ficar olhando pra brasa do cigarro tremulando na escuridão. Mas o seu estado de letargia não lhe permite o grande esforço de se dirigir até o interruptor. Os acordes finais de Goodbye blue sky dão lugar a introdução de Empty Space. Não era essa que ele queria ouvir, mas Confortably Numb ficava no lado B do disco 2…

Um par de sandálias havaianas aparece por baixo do gasto sofá de couro sintético esgarçado sobre o qual seu corpo inerte paira, nu, quase flutuante. Imerso na música ele olha fixamente para o teto. O cachorro de um só olho, a borboleta, o sorriso do coringa, desenhos descobertos/criados pela sua mente ao longo de horas, agora dão espaço a criações mais subjetivas. Seu olhar vago busca agora uma sensação, um prazer, uma epifania, um estado de espirito… onde aquele prazer ?

18 anos finalmente (cara de pivete ainda… mas), …capital (periferia, mas…) emprego (salário de merda), morar só (kitnet decadente)… um longo gole, um demorado trago… um suspiro… as guitarras preenchem todos os espaços de silêncio ao redor… ao redor. Seu interior jaz no mais absoluto vazio. Apenas uma leve náusea causada mais pelo cigarro que pela existência, o preenche. Sexo? Ah o sexo, a tão esperada liberdade sexual… corpos, corpos e mais corpos-falos, reentrâncias-orifícios, bocas-hálitos, odores-sabores, todos clandestinos, todos outros, nunca seus… a náusea aumenta, o copo está seco, o cigarro apagou… aproveitar pra trocar o disco… a muito custo senta-se… as marcas dos pequenos furos e cortes do couro vagabundo do sofá, dão uma textura esquisita à pele de suas costas. As pontas dos seus dedos leem lentamente cada uma marca… o toque vai se estendendo até a lateral da coxa onde um rasgo maior tatuou-lhe algo parecido com uma profunda cicatriz… seus dedos percorrem as bordas formadas pela pele… ali é mais sensível, ele quase sente o sangue correndo, veloz, quente… olhos fechados…sangue correndo, quente… da coxa para o membro…ereção.

Seus dedos agora percorrem as veias intumescidas do seu pênis ereto…adivinhando o fluxo sanguíneo que deixa a glande quente e avermelhada… fecha os olhos… respira fundo… Não!

Levanta-se, com certa dificuldade de se equilibrar nas pernas, vai até a radiola, retira o disco… faz uma varredura com o olhar pelo chão até localizar o disco 2 meio escondido pelas capas de Transversal do tempo e Jóia. Por um momento exita entre o disco 2 ou Dark side of the moon que se encontra jogado sob as roupas… não… Confortably Numb, é essa que quer ouvir… põe o disco, não na faixa desejada, melhor deitar e esperar ela chegar naturalmente. Preenche o copo com uma dose equilibrada de Montilla e Coca, chafurda no cinzeiro… encontra uma chiaba (precisa comprar maconha urgentemente)… acende… senta no sofá… olha ao redor, e toma uma grande dose da bebida horrivelmente quente… um gelinho seria bom… deita-se novamente… a luz, esquecera de apagar… o pau já mole deita sobre a púbis peluda, como a acompanhar a inércia do dono… olhos no teto, seus pensamentos voltam para o lugar onde antes estavam: na sua tão sonhada liberdade.

Hello

Is there anybody in there?

Just nod if you can hear me

Is there anyone at home?

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Márcio Rocha Nery
{DEi | CHÁ}

sou um pisciano tão pisciano, que depois de dito isto, tudo o mais seria redundância...