“She rise up” (2014) da pintora italiana Anna Madia.

(IN)DISPENSÁVEL ADOLESCÊNCIA

O que foi e o que restou desta que é talvez a ambiguidade mais (in)útil do desenvolvimento na vida de toda gente…

Álisson Oliveira
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3 min readJun 5, 2016

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Sem nenhuma intensão aparente, jamais falei com alguém acerca do que eu acho sobre o período de “amadurecimento” mais angustiante dos anos idos de minha vida, a adolescência. Se porventura alguém me indagasse a respeito desse percurso, responderia com afinco a vontade extrema de dispensar por completo todo e qualquer tipo de experiência vivida, rejeitando também os motivos e não motivos de tê-lo sofrido. E até certo tempo atrás, tolamente eu preferia pensar que talvez me fosse melhor ter entrado em coma aos 12 anos para só então acordar ainda mais desorientado com 19, fase da qual certas coisas se mostraram mais objetivas e menos caricatas.

Eu era um serzinho magro e extremamente infeliz. Andava por aí na companhia de mim mesmo, sempre imaginando sofrer o risco iminente de uma desgraça que nem eu mesmo sabia especificar o tipo de gravidade. As ameaças e preocupações imaginarias me esgotavam as forças, física e emocional. Ao que me parece, vivia eu sempre com a imunidade e o ego baixíssimos.

Mas foi sobretudo nesse contexto, que vivi os piores conflitos dos meus dias e também foi nele que desaprendi e reaprendi poucas coisas que só compreendo agora. Por exemplo, a de que a amizade pode ser uma condição mínima para se estabelecer sobreposições de poder nas relações interpessoais. Nelas, eu me tornava sempre responsável pela manutenção do companheirismo, guardando sob a redoma dos meus cuidados os bons sentimentos de camaradagem. Daí não tardava eu ficar só, em razão do mal exercício em querer salvar, livrar e manter viva o que eles não tinham de melhor. Desta maneira, me deparava com uma redoma paradoxalmente apenas repleta de valores meus.

Eu possuía uma quantidade considerável de manias que me compensavam parcialmente as inquietações. E não era só extrair partes inteiras de unhas com sangue, não. Eu cultivava sentir um autoflagelo, destruindo projetos e desenhos meus que jamais pude recuperar. Minhas mãos eram deploráveis, meus cotovelos e atitudes também. Eu não dormia nada e à vista disso, pioravam as compulsões e notas. Eu ia mal no cálculo espiritual. Aos treze anos, fui diagnosticado com T.O.C. Logo depois vieram as crises de ansiedade e suas desesperadoras tonturas e excitações de fobia social que me deixavam a sensação de ser parte sem um todo.

A palerma autoafirmação em dizer que a adolescência me transformou no que sou hoje (melhor, pior, não sei), não exime dela as razões pelas quais ainda continuo a odiá-la. Alguma coisa estava em constante mudança dentro mim e eu nem mesmo conseguia me adaptar à elas. Considerando-se os medos e a perda da unidade acrescida, julgo que o que me impacientava estava ligado ao entendimento escasso das coisas. Me era difícil compreender a mesquinhez e a materialidade por trás dos discursos com seus perigos, poderes e domínios. Eu era, pois, um parvo. Duplamente. De espírito e de compreensão. E logo isso era visível em mim.

Coisas assim, transformaram minha vida juvenil num fácil silenciar como forma de arremedar/superar contrariedades. Eu silenciava banalidades e outras graves situações. E nesse emudecimento, figuravam-se em mim as piores certezas, inclusive a de que eu podia morrer e finalmente sossegar. Me cercava de fantasia imaginando meu velório. Tinha tédio do tédio e não me avultavam grandes desejos trancado dentro de casa. O que eu queria era não ser incomodado por ninguém e acostumei-me a criar estratégias, que nunca davam em absolutamente nada, para me livrar dos chatos.

Com meus 19 anos de idade, já abusado desse Ser Truculento, resolvi ensaiar os primeiros exercícios sentimentais de liberdade. Tardiamente sai aos poucos da obsoleta couraça que não me blindava o caráter, e me senti inútil. No entanto, pela primeira vez na vida, a inutilidade de ser eu me trouxe discernimento para então buscar níveis mais profundos de verdade, minhas verdades além da adolescência. Daí, transitei por entre fronteiras que me pareciam insondáveis e comecei a esgarçar verdades insuspeitas que só os adultos supunham conhecer.

No fim das contas, conta alguma foi quitada. Minha subjetividade anônima e adolescência odiosa me permitiram seguir (des)aprendendo. E, assim, longe de qualquer interferência doutrinaria-ideológica-alienante ainda permaneci alheio na catarse de me devorar para compensar uma falta qualquer de ajuste para com o mundo.

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Álisson Oliveira
{DEi | CHÁ}

Professor de literatura, ilustrador e estudante de design gráfico. Vintage; avant-gard; Kubrick; paroxetina; queer; Bauhaus; Esher; Taxi Driver.