O pecado de ser “estuprável”

Márcio Rocha Nery
{DEi | CHÁ}
Published in
3 min readMay 27, 2016

ou a farsa da moral e dos bons costumes

Para! Para tudo! Preciso digerir, regurgitar e vomitar o banquete para urubus que se tornou minha timeline nas redes sociais.

Às vezes tenho a nítida impressão de que estou vivendo num sonho surrealista, não um de Dali, mas de um pintorzinho ou poeta de quinta. São tantas atrocidades, barbarismos, babaquismo, falsos moralismo, cristianismos, sexismos, escrotismos, que não dá pra acreditar. Porra, alguém sabe quando essa rebordosa passa?

Hoje me deparo com a notícia de que uma jovem foi estuprada por mais de 30 “homens”. A notícia não me chocou tanto porque sei que isso ocorre diariamente. Minha primeira reação foi comentar com os mais próximos: o pior está por vir, gente, aguardem as pérolas que virão por aí. Os posicionamentos e justificativas machistas/sexistas, esses sim me chocam. Chocam porque não se trata mais de tentar entender a mente de um individuo doente, psicopata… Trata-se de olhar incrédulo, uma sociedade doente, com valores insólitos pautados em preconceitos velados, superalimentados por uma mídia perniciosa e um movimento religioso que a cada dia se mostra, paradoxalmente, como a fiel realização da passagem da bíblia que fala dos falsos profetas que viriam achacar o mundo.

Como dito, aguardei, com ânsia de vômito, os comentários. E eles vieram. E como vieram. Selecionei um deles apenas, para comentar rapidamente. A escolha se deu, pela envergadura da fama (não do talento), da abrangência (devastadora para mentes pouco afeitas a analisar o que vê, ouve, ou lê) e pela descabida cara de pau do cidadão em se pronunciar em redes sociais de maneira absurdamente sexista e preconceituosa sobre tão lamentável acontecimento. Segue o print:

Pra quem olha a superfície do curto texto, pode enxergar apenas o Lobão lamentando o ocorrido. Que bonitinho. Artista engajado né? SQN!!!!

Mas olhando de perto… sim senhor. Erotização da infância é uma bosta? É. Sempre achei isso. Agora defender que estupros decorrem da “putificação” da mulher seria o equivalente a dizer que os assaltos decorrem da “otarização” dos cidadãos que diariamente sofrem essa violência.

Mais é pior ainda que isso. Porque esse tipo de visão serve basicamente para mudar o foco da questão, retirando a culpa do criminoso e culpabilizando a vítima. Justificando o injustificável, defendendo o indefensável.

Vestir-se de maneira sensual, ser bonita, ser independente não justifica um ato criminoso. Nada justifica um estupro. É o crime mais covarde, desumano e indigno que existe. É inacreditável que nos dias atuais ainda tenhamos que discutir isso. É inadmissível que torturadores, estupradores e escroques em geral estejam estampados como heróis na mídia, esfregando na cara das pessoas seu ódio e intolerância como um troféu. Um símbolo da conquista e poder de uma minoria branca, masculina, hétero normativa, rica e escrota sobre uma maioria tão plural, diversa e rica que não cabe no seu parco entendimento.

Revolta tristeza, agonia, vergonha, nojo… de viver num país onde o preço pelo pecado de ser gostosa, é o estupro coletivo.

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Márcio Rocha Nery
{DEi | CHÁ}

sou um pisciano tão pisciano, que depois de dito isto, tudo o mais seria redundância...