Pedagogia Divina

Samuel Lemos
{DEi | CHÁ}
Published in
4 min readJul 25, 2016

João Pessoa, 18:48 de 25 de julho de 2016

Boa noite Filho,

Neste exato momento ouço você e sua mãe brincando num castelo inflável que acabou de chegar. Foi nosso jeito de tirá-lo um pouco da televisão e te fazer gastar energia, já que a vida em apartamento e a correria do “Brasilian way of life” nem sempre permitem uma ida a lugares para convívio com outras crianças.

Ver o seu crescimento diário é indescritível. Todavia, nem todos os adjetivos que cabem no exercício de ser seu pai são felizes. Preciso ser honesto com você filho: sua educação me trás medo. Um medo diferente de tudo que eu já senti antes. Um medo de falhar na única missão que de algum modo parece importar na minha vida. Um medo fundamentado no fato de haverem tantos fatores, elementos e variáveis que interferem nesta equação que eu sendo tapado em álgebra jamais conseguirei resolver este problema. O medo me acompanha da hora de te dar banho à hora de te comprar um presente.

Dizem que a criança é uma folha em branco que absolve e reproduz tudo que vê em seu ambiente. Dizem que a educação em uma criança não deve ser vista de modo tão “bancário”, mas construída juntamente com ela diariamente em um exercício que a impulsione para liberdade. Seus avôs dizem coisas, suas tias também, todos opinam com as melhores intenções do mundo; há tantas falas, tantos ecos, mas nenhuma certeza, afinal, você, meu filho é só um.

E não importa o quanto eu finja, eu nunca vou saber qual jeito certo de te educar porque desconfio piamente que isto não exista. Ao mesmo tempo em que vislumbro esta ideia, temo por ela ser apenas um mecanismo de defesa do meu psicológico para me convencer de que não devo me preocupar tanto, afinal, no raso, você ser uma pessoa boa ou não depende de tantos fatores quanto a lua crescente que embasa o diagnóstico de um problema mecânico em nosso Astra 2007 — cuidado com Chevrolet!

Talvez, ainda que de modo inconsciente, nossas avós sabiam disto, e por tal razão sempre usaram a religião como uma das principais ferramentas para educação. “Deus te abençoe!”; “Deus te proteja!”; “Deus te faça feliz!”, como todo aborrecente metido a esperto eu gozava destas recomendações, na crença (e falta dela) de que a divina providência tinha mais o que fazer além de ficar nos vigiando. Em verdade, inconscientemente ao dar bênção estamos rogando que algo superior funcione em uma eventual falha nossa, afinal, o desafio de educar crianças nunca foi fácil. Minha geração fala muito do quanto isto é mais complexo em nosso tempo, em um exercício de prepotência, não reconhecendo que outrora havia a mesma proporção de desafios e facilidades. O “como” mudou, mas a raiz do problema continua a mesma: “tornar um ser vivo com RG em um ser humano que consegue conviver em sociedade”. Fazer isto é tão difícil que uma ajuda celeste até que cairia bem, então ainda que não contemos apenas com ela, acreditar que ela existe conforta.

Este final de semana eu te dava banho meu curinga, e fiquei impaciente com seu jeito de chorar e espernear apontando para um daqueles chuveirinhos de banheiro querendo alcançá-lo. Sua natural baixa estatura aliada à imaturidade infantil o impediram de me pedir claramente ou “do jeito certo”, afinal, conforme algumas abordagens pedagógicas prescrevem, não se deve dar tudo de “mão beijada a criança”. Ainda que pareça uma lição boba, não entregar o chuveirinho até ouvir corretamente — ou o mais próximo possível disto — o som de palavras que uma criança de dois anos certamente ainda nem consegue pronunciar consiste em uma “boa” oportunidade para ensinar certas palavras e/ou convenções sociais. Outro exemplo claro disto é a tortura de segurar um copo de água e insistentemente ficar perguntando: “você quer o quê?” como resposta às insistentes tentativas de “Ágá”, “Águi” “Águia”, até ouvir o som mais próximo possível do almejado.

Não deixa de ser um exercício sádico. Mas, se raciocinarmos logicamente, há um fundamento tão biológico quanto comportamental: nossa espécie possui instintos tão animalescos quanto qualquer outra, então será mesmo que ela buscaria evolução, sair do “status quo” se não fosse “obrigada” a isto pelo universo? Não seria tudo mais cômodo se apenas apontássemos para o que queremos e o todo poderoso enviasse estas coisas? Foi a partir disto que uma ideia tão simples de se imaginar quanto complexa de se explicar me invadiu: não seria isto que Deus em sua magnificente onipotência e onisciência nos faz?

Ele deixa nossos objetos de desejo à vista. Instiga-nos e vez ou outras os aproximam mais ainda de nós. Todavia não entendemos sua pedagogia e choramos como crianças quando não conseguimos alcançar nossos sonhos, quando em verdade a única coisa que fizemos para chegar neles foi apontar e berrar.

Assim como uma criança berra na hora da troca de fralda, não percebemos que certas dores e obstáculos advêm da divina providência em seu exercício de fazer o que é melhor para nós, ainda que não percebamos isto e a esbravejemos bradando uma clemência para o carrasco errado. Infelizmente não temos a maturidade para perceber isto, o que é natural, afinal, se tivéssemos, certamente não seríamos crianças aos olhos divinos, por consequência, não teríamos sua atenção.

Indiferente a isto, apesar de não frequentar nenhuma igreja mantenho uma fé inabalável de que alguma força guia o Universo, e rezo para que eventualmente quando eu não puder estar ela abençoe, proteja e, sobretudo faça meu filho feliz.

Todas as honras para o mais novo Curinga, pois a ele pertence o futuro!

Assim O_ArCaNj0 Pescador de Ilusões, cujo pseudônimo é Samuel Lemos, termina esta transmissão.

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Samuel Lemos
{DEi | CHÁ}

Pai de Gabriel Curinga e nas horas vagas, ArCaNj0 Pescador de Ilusões.