Um pulsar assombroso…

…é o que permanece ainda sete dias depois

Álisson Oliveira
{DEi | CHÁ}
3 min readJun 19, 2016

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fonte: thedailybeast.com

Passados pelo menos sete dias, ainda espero na correria das semanas ver ou ouvir das pessoas que estão por aí nas mídias, ou na banal convivência diária, um dado posicionamento sóbrio a respeito do massacre ocorrido na boate gay Pulse na manhã deste último domingo 12 em Orlando, dia dos namorados aqui no Brasil.

Ao que me parece, um dos maiores “atentados” desde do 11 de setembro na história do EUA, não comoveu profundamente a opinião pública que pouco se ocupou de se debruçar sobre os fatos acerca dos crimes de ódio contra a homoafetividade que levaram a morte de pelo menos 49 pessoas e feriram outras 53.

O mais preocupante nisso tudo não está no enfoque ou na grandiloquência do que ocorreu, mas no modo como tais fatos criam uma série de outras interpretações como forma oportunista de deturpar a imagem de uma “minoria” que se viu ameaçada e possível de ser exterminada tal qual os judeus nos campos de concentração — com balas, ao menos por enquanto. E há, certamente por conveniência, um número muito considerável de pessoas se utilizando do discurso de que o ocorrido não bastou de um ponto de partida para que as militâncias de gênero se vitimassem contra um mundo. Mundo este que se deseja demente ao admitir a chacina como atentado terrorista e não como crime de ódio.

Não se precisa ter longos anos de maturação no mundo heteronormativo para então assimilar que estamos numa longa jornada atemporal de compreensão de nós mesmos para então entendermos as necessidades e os espaços existenciais dos outros. A impressão que me fica é a de que estamos num processo de ruptura que poderá culminar em alguma coisa significativamente grandiosa daqui a alguns séculos. E nesse sentimento de espera tresloucado ainda vivemos a urgência absurda de sermos facilmente esfacelados a cada esquina pelo o que somos.

A subjetivação do indivíduo na sociedade tem se mostrado também subversiva na medida em que as identidades passaram a ser construídas não pelo próprio indivíduo ou pelo grupo da qual ele faz parte, mas pelos sujeitos que estão fora dessas células. Assim, nessas (des)construções cabem absurdos diversos como forma de intolerância; até mesmo a ideia de acreditar que a homoafetividade é uma espécie de conduta que nasce isolada e independente da sociedade, devendo ser, portanto, normatizada para sustentar a pseudo autoimagem sólida de localização identitária mantida que se arrasta histórica e filosoficamente “regular” por décadas.

É uma triste constatação afirmar isso, mas a sociedade contemporânea ainda segue se esforçando em compreender tal lição eventualmente “nova”, enquanto uma outra parcela dela se reserva na oposição de desconstruir uma medíocre e defeituosa realidade que nunca foi ou será estável.

Afinal, só espero que não sejam mais necessárias tantas mortes sem motivo aparente para então se fazer ouvir o embrutecimento daqueles que odeiam a liberdade do amor entre pessoas do mesmo sexo. Espero também que a ordem das coisas se alterem ao menos um pouco na mídias, já que o tenaz traço de esperança se insinua sempre que possível na pretendida necessidade de seguirmos em frente, mesmo diante de tanta dor e espanto.

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Álisson Oliveira
{DEi | CHÁ}

Professor de literatura, ilustrador e estudante de design gráfico. Vintage; avant-gard; Kubrick; paroxetina; queer; Bauhaus; Esher; Taxi Driver.