Rotina

Bruno Luiz Mattos
Coletivo (des)versificados
5 min readSep 13, 2014

Fico pensando no que é rotina. Será uma repetição? Mas se for uma repetição, respirar se torna uma rotina. A minha primeira rotina: respirar, respirar. Sobreviver. Sobreviver. Uma rotina involuntária que eu não quero que acabe.

É engraçado os tipos de coisas que um ônibus te faz pensar. O tédio, os mesmo lugares, os mesmos problemas. A mesma rotina. Mais repetição.

Hoje, no entanto algo será diferente.

Desde que conheci Bia, nos paqueramos muitos por internet. Na verdade eu paquero e ela se esquiva de mim. E eu sempre me pergunto: Por que insisto? Ser idiota se tornou mais uma rotina?

Respira. Respira.

A missão hoje é simples. É aniversário de Bia e mesmo não tendo nenhum motivo resolvi presentear ela. Acho que cansei dessa coisa de só presentear quem me dá presente. Fica parecendo amigo X. Talvez no fundo, eu acho, que fazendo isso, ela irá se aproximar de mim. Seria bom, não vou negar. Alguém precisa dá um passo de disposição, se eu sou o mais interessado, por que não começar comigo?

Movimento. Movimento. 1666 km/h. Essa é a velocidade da terra. 6 metros por hora é a velocidade do meu ônibus. Olho para o alto e diante do fim da tarde, nessa ilusão de céu azul há todo um espaço em cima da gente. Somos vulneráveis. Negro em cima, vermelho embaixo. “O movimento do magma”. Até para sobreviver nesse planeta precisamos de rotina.

Não estou ansioso por entregar o presente, nem ao menos irei vê-la. Ela não quis me ver nas outras ocasiões em que ofereci, e não será agora. O plano é entrar na faculdade dela, procurar sua coordenadora de curso e deixar o presente. Depois avisar ela por SMS.

Em dias normais passaria pela faculdade dela, que fica no caminho para a minha. Mas hoje o ponto é diferente e para piorar é em um cruzamento.

Uma encruzilhada moderna: posso fazer um pedido? Melhor não, negociar com entidades do submundo nunca é um bom negócio. Respondo em voz alta sem o risco de todo mundo me achar doido, já que o som da cidade abafa os pequenos ruídos. A individualidade se perdendo no caos da sobrevivência.

A portaria da faculdade não é muito animadora. Guarita com um guarda meio estranho, pátio um tanto escuro. Purgatório é você?

— O que deseja? — O guarda estranho pergunta com um tom meio simpático com seu jeito meio estranho que soa um tanto arrogante.

— Preciso entregar algo para uma professora.

Uma carta bomba? Deduzo seu olhar incriminador. “Não sei, quer abrir para testar?” Respondo mentalmente. Cara idiota. Deixa eu entrar logo.

— Qual professora?

— Não sei o nome. Ela é do curso de português.

— Sem nome fica difícil te ajudar. – E sem guarda fica muito fácil. Pensei comigo mesmo enquanto olhava para o céu. “Lua bonita”.

— Obrigado. — Respondi educadamente e fiz o caminho de volta.

Enquanto me dirigia para o ponto de ônibus pensando no quanto era ruim gastar uma passagem atoa eu me vi como naqueles filmes. Nos filmes o carinha nunca desiste de primeira. “Se você desistir hoje, vai desistir sempre” era o meu mantra e porque não utilizá-lo agora?. Dei meia volta e fui determinado a enfrentar o guarda estranho promovido para idiota pelos poderes a mim concedidos.

Peito estufado? Check.

Determinação? 35% e crescendo.

Perfil do “carinha do cinema que resolve tudo” – Falha no download. Maldito 3G.

Bato na guarita.

Silêncio.

Espero.

Desisto?

— Olá meu Jovem, em que posso ajudá-lo?

“Gostaria de ganhar na megasena e sair desse buraco e me distrair com coisas boas e parar de me prender em pessoas idiotas”. Fácil demais. Carinha do cinema nunca resolve fácil demais. Mas dessa vez, mesmo não tendo os números da megasena de bandeja o cara idiota foi substituído por um mais agradável.

— Preciso ir na coordenação do curso de português entregar algo.

Ele me olhou. Pensou. Ensaiou abrir a boca e por fim disse?

— Para quem?

— Coordenadora do curso.

— Ah. Silvana?

“Silvana? Claro! Como tinha me esquecido dela”. Nem sabia quem era. Explicado. Sinal do 3G voltou. “Download do aplicativo cara de pau efetuado com sucesso.”

— Isso! Ela mesma.

— Você sobre as escadas, segundo andar. Só olhar os indicativos da porta.

— Muito obrigado. — Agradeci apertando sua mão. Afinal temos que retribuir os gestos de gratidão.

Muito fácil, Thalysson. A voz interior sussurrou.

Subi as escadas como quem sobe o pé de feijão, mas no final o único gigante era o meu medo patético. Ao mesmo tempo em que mensurava esse medo, comemorava o fato de ter conseguido passar. Fácil, só que não importava. Se tivesse desistido de primeira, difícil seria voltar aqui.

Procurei a sala. Demorou alguns minutos, mas consegui.

Apagada. Fechada. Deserta.

“Ei você do curso de português vamos enumerar os antônimos de frustração?”

A menina passou por mim sem oferecer uma chance de verbalizar minha proposta. Ela estava muito ocupada em responder algo no celular. “Ok, já achei o bastante”.

— Precisa de algo? — Uma voz surgiu do nada.

— Preciso entregar algo para coordenadora do curso de português. — Sua expressão perguntava “O que?”, então disse para evitar o suspense.

— Bia! Boa aluna. — Divagou ela.

— Imagino. É que é o aniversário dela.

— Sério?

— Sim. Então vim entregar um presente surpresa.

— Que legal da sua parte. Namorado?

“Ainda não”. Prepotente. Mentira, otimista.

— Só um amigo. Não vou ter tempo de falar com ela, então resolvi deixar aqui na faculdade.

— Ela está na sala de aula. Quer que eu a chame?

“Quer?”. Para que? Sou um péssimo “carinha do cinema” nem sei improvisar.

— Não, obrigado. Tenho prova daqui a pouco. Não sabia que ela estava na faculdade já. E é para ser surpresa.

Claro que ela achou isso meio estranho. Ou não, eu que achava e achei que ela também acharia.

Pode coitado paquerador de merda”.

Obrigado, obrigado. Errar, errar e aprender. É o que dizem pelo menos. Mas se ela soubesse odisseia que foi isso tudo…

Ela pegou o pacote, que não explodiu. Deixou na mesa. Eu agradeci e fui indo para ir embora. Quando viro, vejo uma menina entrando na sala dela. “Bia”. Vi de relance. Mas vi o momento exato que ela virou. Meia fração de segundo. Nossos olhares não se encontraram, mas consegui vê-la.

Grandes coisas.

Ao chegar à guarita o guarda meio estranho estava conversando com alguém e pareceu meio incomodado com minha saída. “Como esse muleke entrou?”.

Não desisti. Simples. Otário.

Celular vibra e um SMS chega. “Por que não falou comigo?”

Orgulho? Medo? Jogo?

Não sei o que falar, para ser sincero. Gostei da noite. Da adrenalina. De ser capaz de fazer algo desconexo.

Outro SMS:

“Uma camisa do facebook? Curti rsrs”.

A camisa era o símbolo de curtir do facebook em um tamanho ampliado em analogia de “Eu curto você”.

Patético. Mas legal.

Legal demais.

Respondi: “Nos conhecemos pelo facebook. É uma homenagem justa”.

“E quando vamos nos conhecer pessoalmente?” — Ela disse alguns minutos depois.

Ual. Funcionou?

A ficha caiu. Se tivesse funcionado?

Não, não se iluda.

“E isso ficará por sua conta: um novo início ou o ponto final.” — Falei por fim.

E não houve mais respostas naquela noite. No dia seguinte houve fotos no facebook, comentários e agradecimentos. Eu estava feliz, de verdade. Finalmente eu havia entendido que não era uma questão de chamar atenção dela. Era uma questão de apenas tentar ver se estava indo além do que deveria. E eu estava.

Três anos depois, escrevo sobre isso e penso: Ual, como eu era carente. Mas sobrevivi.

Sou um sobrevivente.

Sou o “carinha do cinema”.

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Bruno Luiz Mattos
Coletivo (des)versificados

Bacharel em Sistemas de Informação, tentando montar uma empresa e autor do Livro “No Encontro de Uma Constante”.