SÉTIMA

Coletivoescreviventes
Coletivo Escreviventes
2 min readFeb 13, 2024

De Vilma Martins Schiante @vilmaschiante e @contocomvilma

Outra menina. Não queria, mas não podia contra a mãe natureza. Desejou morrer de parto. Os chás da dona Santinha não faziam mais efeito. Foi rápido. A recém-nascida grita. Sina. A mais velha nem menstruou, pariu faz 7 dias. Doeu. Pelo menos, é menino. O pai está todo orgulhoso. Os peitos jorram na cumplicidade. A mulher nem sabe o que sente por ele. Por ela, o amor é maior que a dor. De barriga, a filha ainda brincava de boneca de espiga no milharal.

(…)

O sol nem acordou, e o dia já cozinha na roça. A casa cheira a azedo. Está no tempo de lavar o sangue dos lençóis no rio. A correnteza lava, leva, afoga as lágrimas, mas a mancha da mágoa não sai nem batendo na pedra. Só se fosse a cabeça. E é pouca água para tanta placenta.

(…)

A filha agora dá o peito para a irmãzinha, enquanto o seu dorme. O pai também está com fome. A menina fala que a mãe foi lavar roupa suja. Ele se irrita. Alisa a camisa suada e a coloca para dentro das calças, afivela a cinta castigada e sai atrás da mulher. A menina escolhe o feijão com a outra mão.

(…)

Sol a pino. A mãe volta com a bacia na cabeça. Lençóis com manchas frescas, mas lavados, como a alma. A recém-nascida parece sorrir. É a sétima que vinga. E a última. A mais velha põe o feijão na mesa com a farinha. Chama as outras irmãs para comer. Que delícia. O menino ainda com o coto umbilical chora, mas é só dor de barriga.

--

--

Coletivoescreviventes
Coletivo Escreviventes

Coletivo de Escritoras, reúne mulheres de todo o Brasil, de várias faixas ​etárias e momentos da carreira.