[cinco traduções de Robert Frost]

A Momentary Stay Against Confusion: 5 Poemas de Robert Frost, por Paulo Manoel Ramos Pereira

edições Fiasco
coletivo_fiasco
4 min readAug 11, 2020

--

Uma resistência momentânea à confusão”. Desta maneira Robert Lee Frost (1874–1963) esboça sua definição do efeito ideal da poesia. Indiscutivelmente um dos mais consagrados poetas norte-americanos, Frost é responsável por obras sobremaneira canônicas dentro dos inventários culturais, populares ou não, estadunidenses.

Portanto, não é senão em via de humildemente preencher a infracitada lacuna frostiana em língua portuguesa e em veículos de divulgação de literatura brasileiros que são trazidas a lume estas cinco traduções. Os textos originais compõem West-Running Brook, volume publicado em 1928.

Robert Frost era bastante interessado no ritmo de seus versos, vez que “a parte que dá vida ao poema é a entonação misturada, de alguma forma, à sintaxe, à expressão e ao significado de uma oração”, como afirmou em carta presente em seu epistolário. Porque levava em alta conta o sound of sense, foi preocupação deste apanhado a manutenção de métricas viabilizadoras de formatos rítmicos agradáveis. Tampouco foi posto de lado seu apego ímpar a representações imagéticas.

Houve edições, versões pontuais em artigos e aparições em antologias brasileiras da lavra poética do autor. No entanto, em mais de 60 anos desde seu suposto début no Brasil, a experiência é escassa e frustrante. Frost é um colosso da literatura universal aparentemente esquecido pela lusofonia.

É certo que havia algum melindre da parte do poeta em relação à atividade tradutória, o que foi explicitado em célebres citações. Entretanto, se configura direito e dever de todos opor resistência às muitas confusões, que seja por meio de um pequeno e momentâneo aperitivo do gênio incomum de Robert Frost.

UM VISLUMBRE FUGAZ

De vez em quando vejo flores dum vagão
Que passam sem que possa dizer o que são.

Desejo pular do trem e lançar a vista
No que eram elas ao largo dessa pista.

Caso suponha seus nomes estarei errado.
Nem cabelo-de-índio onde há mato queimado —

Nem jacinto que a boca do túnel permeia —
Nem tremoço habitando sua seca areia.

Eram algo que pintou na minha cabeça
Que mais ninguém no planeta saber mereça?

Um vislumbre do paraíso é visível
Quando vê-lo mais de perto é impossível.

A PASSING GLIMPSE

I often see flowers from a passing car
That are gone before I can tell what they are.

I want to get out of the train and go back
To see what they were beside the track.

I name all the flowers I am sure they weren’t;
Not fireweed loving where woods have burnt —

Not bluebells gracing a tunnel mouth —
Not lupine living on sand and drouth.

Was something brushed across my mind
That no one on earth will ever find?

Heaven gives it glimpses only to those
Not in position to look too close.

MURCHA

Falou a chuva à ventania:
“Empurra que vou socar.”
No jardim, pancadaria
Tanta fez a flor deitar
Murchada — morrer não ia.
O que sente sei contar.

LODGED

The rain to the wind said,
‘You push and I’ll pelt.’
They so smote the garden bed
That the flowers actually knelt,
And lay lodged — though not dead.
I know how the flowers felt.

CAVALEIROS

A maior certeza é sermos cavaleiros
E apesar do insucesso total, verdadeiros
Guias de tudo que exista, os chãos e mares
Daquilo que montamos e até dos ares.

Que seria o mistério que nascer encerra
Além de cavalgar o lombo nu da Terra?
Distinguimos a criança também montada,
A mãozinha na pele espessa enterrada.

É nossa besta selvagem — cavalo insano.
Mas ainda que ele corra sem rumo e plano
E nossas carícias pareçam negadas,
Há umas ideias que não foram tentadas.

RIDERS

The surest thing there is is we are riders,
And though none too successful at it, guiders,
Through everything presented, land and tide
And now the very air, of what we ride.

What is this talked-of mystery of birth
But being mounted bareback on the earth?
We can just see the infant up astride,
His small fist buried in the bushy hide.

There is our wildest mount — a headless horse.
But though it runs unbridled of its course,
And all our blandishments would seem defied,
We have ideas yet that we haven’t tried.

AMIZADE COM A NOITE

Eu tive com a noite grande amizade.
Eu andei na chuva — na chuva voltei.
Traspassei até a última luz da cidade.

As vielas mais tristes eu avistei.
Eu cruzei o guarda que fazia a ronda
E sem me explicar o rosto abaixei.

Eu parei silenciando o som da
Minha passada pois de longe um grito
Por trás das casas de outra rua estronda,

Não a chamar-me ou despedir-me um dito.
E em altura mais além da realidade,
Um relógio astral clama seu conflito:

Tempo não é mentira nem verdade.
Eu tive com a noite grande amizade.

ACQUAINTED WITH THE NIGHT

I have been one acquainted with the night.
I have walked out in rain — and back in rain.
I have outwalked the furthest city light.

I have looked down the saddest city lane.
I have passed by the watchman on his beat
And dropped my eyes, unwilling to explain.

I have stood still and stopped the sound of feet
When far away an interrupted cry
Came over houses from another street,

But not to call me back or say good-bye;
And further still at an unearthly height,
One luminary clock against the sky

Proclaimed the time was neither wrong nor right.
I have been one acquainted with the night.

DEVOÇÃO

Maior devoção não concebe o peito
Do que a de ser para o oceano leito —
Guardando ondas na mesma posição,
Contando uma eterna repetição.

DEVOTION

The heart can think of no devotion
Greater than being shore to the ocean —
Holding the curve of one position,
Counting an endless repetition.

--

--