[nota sobre estilo]

João Lepife
coletivo_fiasco
Published in
3 min readAug 4, 2020
Photo by Kaitlyn Baker on Unsplash

Então perguntam algo sobre meu estilo e não posso responder essa pergunta por agora, porque simplesmente não sei o que dizer, então fico cabisbaixo olhando de sobressalto seus olhos questionadores e insistentes sobre algo que não cabe resposta automática, ou talvez até caiba, mas que por hora não é possível responder.

Olho pros lados tentando escapar da conversa, mas por vias inéditas e inesperadas tornamos ao assunto inicial: sim, meu estilo, sim tenho influências nos beats, não, não quero copiá-los : apenas usar seus meios e métodos pra chegar onde não sei, hm, talvez chegar em algum lugar, gosto do burroughs, mas não acho que me pareça com ele em muitas coisas, além do isolamento e na questão experimental.

É diferente do método, sim, eu sei disso; por que ainda insistem? Não é como se eu quisesse algo sólido e eterno, a antropofagia de oswald é que sustenta, mas ela também não é eterna, posso acordar num dia e dizer adeus — como vi um homem se despedindo de sua namorada no aeroporto. A questão aqui é a mutabilidade e metamorfose, a impermanência — palavra nova que aprendi recentemente lendo sobre poligamia.

Talvez o método se amarre e condense tanto que se transpareça em estilo cinicamente, mas no fundo é o que é : apenas método : função. Acho que vem do acaso, do clic impreciso e inesperado, da imprevisibilidade do texto. O estilo talvez seja a vértebra escondida, o ciso que não desce, o bebê que se recusa por semanas a nascer e quando menos esperam : plau! Não penso que vamos conseguir estabelecer regras e construir um circo em volta do texto guiando seus próximos passos, veja bem, não sabemos nem dos nossos próximos passos, por isso digo sobre a imprecisão do verso, da beleza do imprevisível, então é ali que o estilo desabrocha.

Estilo algum é comparável. Ninguém enxerga, ninguém sabe de onde vem. Escolha um desses blogs e sites qualquer. Basta entrar no site para ser atingido em cheio pelos pseudo intelectuais cheios de estilo. Mas de onde ele vem? Não vem do autor, nem dos leitores, nem do negrito que cobre as letras. Nem mesmo da tela do notebook ou do celular.

vejamos, pegando vários excertos das leituras recentes e batendo tudo num liquidificador, ou o que gosto de chamar de dream machine:

[progresso]

abrindo estradas entre mangueiras

cobrindo a paisagem com máquinas

pasto bois e urubus voando em bando

desnudando cerrado a dentro

tatus mortos e tocos de árvore

[queimados.

[futuro]

como um câncer delinquente

a dívida do aluguel

cresce à sua volta;

pouco lhe importam os mosquitos

arranhando sua carne & cantando nos ouvidos.

há uma bomba atômica em cada esquina

do amanhã.

[tentativa]

cruzando a esquina

com duas vozes em desencontro.

[uma névoa

irrompe na noite,

amor,

pela última vez te digo :

estes olhos vazios

[não mudam.

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