[o brilho de uma estrela morta, dois poemas de Rosa das Neves].

ROSA das neves
coletivo_fiasco
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3 min readSep 18, 2020

Um corpo caído nas ruas do bairro Estrela Dalva é uma estrela cadente? Um ônibus que atropela uma estrela da rede globo é uma estrela cadente? Um amor de uma noite num motel 5 estrelas é uma estrela cadente? O que entre o céu e a terra define uma estrela? Seu brilho póstumo? Olhando para cima pode ser que vejamos os postes de iluminação. Durante o dia apenas o sol, estrela que parece se aproximar todo dia mais do centro-oeste, mas não chega a ser cadente. As estrelas do rock n’ roll que se foram aos 27 são estrelas cadentes? A estrela pingada no olho de Leminski era cadente? Se passa ou se fica, de que importa se lhe entrega o pedido?

Dois poemas, por Rosa das Neves

onde estão as estrelas cadentes me pergunto todo dia
na imagem das luzes borradas através do vidro do automóvel
quando me movimento pela cidade satélite ou
nas gotas de chuva escorrendo pelo meu rosto
talvez no silêncio embalsamado
na parte da piscina onde adultos brincam afogamentos
ou brincam de segurar ar nos pulmões para o sentimento
explosivo, detonar tudo dentro e fora desta caixa torácica, quem sabe
ali no desespero ao chegar à superfície, viver de novo
mais uma vez a necessidade de tomar fôlego ou a recuperação
do fôlego, quem sabe o susto; receber de repente uma ligação,
um pontinho de luz perdido no brasil
sabe que desligou-se e chora ou, assustado, solamente
dá risadinhas murchas desesperadas e lê poemas
ao telefone
poderia até mesmo sentir o impacto de quando nos dissipamos
na memória um do outro
digo, é o mesmo impacto quando nos refazemos também
na memória um do outro
um alguém que liga, do nada, e passa a madrugada nos seus ouvidos
aquela voz
a estrela cadente que não se via há muito tempo.

quando decidi morrer pensava nas coisas
que crescem
que não deixariam de crescer na minha ausência
nas plantas
em casa na solidão do meu pai por exemplo
até mesmo
as unhas e cabelos do meu corpo morto
pensava
nos para-choques da próxima frota de coletivos
nos casais
que se beijariam ao redor do mundo na data da
minha morte,
sem saber da homenagem que prestavam
pensava
em minha mãe cantando baixinho frank ocean antes
de dormir
no meu gato voltando e encontrando as janelas todas fechadas
da casa de luto
quando decidi morrer pensava nas coisas vivas que brotariam
sobre mim
nos lugares silenciosos que me encheram de vida como
os hospitais
as montanhas, os templos e mesquitas, os montes de monges
onde celebram solidão e se curam
quando decidi morrer pensava nos lugares silenciosos por onde
brota
toda a luz do mundo; a buceta da minha namorada
o útero das mamães, por exemplo.

2020, fiasco.
@coletivo_fiasco
@rosanevo

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ROSA das neves
coletivo_fiasco

Escritor & tradutor do Coletivo Fiasco e do Laboratório de Fritação Artística Lola. Estudante de Letras Goiano e Santa Rosense, brazuca filho pródigo.