Bela Adormecida

Fabricio Altran
Coletivo Metanoia
Published in
3 min readOct 6, 2020
Photo by Alexander Popov on Unsplash

“Aquele ali, por favor.”

Definitivamente aquele não era de seu gosto. Mas gostava sempre de comprar algo que lembrasse os bons momentos da noite anterior. No caso de hoje, cigarros mentolados.

Deu a primeira tragada e o rosto se contorceu. Raras eram as ocasiões em que fumava. A bem da verdade era que cigarro o fazia tossir. Mas o pesar físico era recompensado com o frescor das lembranças da noite anterior.

O riso veio fácil aos lábios logo depois do acesso de tosse. Sentia-se patético por ainda estar naqueles trajes. Toda quinta-feira, escolhia um bar diferente na cidade e preparava o guarda-roupas para trajar-se a caráter. Fazia parte, também de seu ritual de caça estar vestido de acordo com o ambiente. Nesta última noite, o figurino também lhe era estranho: tênis verde-limão, calças coloridas, colete e pulseiras neon. A festa da noite anterior era algo que chamava de clubber em seu tempo. Os jovens devem chamar de rave ou algo assim.

Para ele, aquilo tudo só não era mais ridículo, mas a bela ruiva, que havia surgido do nada, fazia tudo valer a pena. Quando já estava a ponto de partir para seu plano B, ela surge em sua frente, insinuando as curvas ao som de música eletrônica.

Sabia que era bonito, claro, mas não imaginava que tal mulher se ofereceria tão fácil. Sorte a dele. Nem trocaram nomes e já brigavam com a língua. Química perfeita.

Tomaram alguns drinks enquanto se devoravam com os olhos e, enquanto ela fumava seu terceiro cigarro mentolado, logo se ofereceu para levá-la em casa. O convite foi prontamente aceito e partiram dali.

No caminho, Marcela revelou-lhe o nome e a idade. Estava surpreso por ela ter apenas vinte anos naquele corpo. Geralmente as preferia um pouco mais velhas, mas ela era uma exceção que estava grato por abrir, pensava enquanto uma mão safada brincava com o conteúdo de sua calça.

Meia hora depois, estavam nus e enxarcados, brindando àquela noite perfeita. Ele, de poucas palavras, ouvia a jovem contar sobre sua faculdade, os pais ricos, o intercâmbio, seus sonhos e sua carreira. Nessa parte, estava um pouco entediado, é fato, mas animou-se quando percebeu Marcela ficando lenta. Ela finalmente cedera.

Terminou o champagne e deu início aos preparativos. Há quem considere preliminares melhores do que o ato sexual em si e, no seu caso, era uma meia verdade. O sexo era uma preliminar incrível, mas desconhecia qualquer sensação semelhante ao que vinha a seguir.

O primeiro passo era livrar-se das evidências. Calçou as luvas que trazia consigo no bolso traseiro da calça e descartou as sobras do champagne de Marcela na privada junto da camisinha usada. Com papel toalha e desinfetante, limpou maçaneta, taças e outros objetos que metodicamente registrou em sua mente desde que entrou na casa.

Derrubou o corpo da vítima ao chão e colocou os lençois para lavar na máquina. Agradecia sempre que as mulheres tinham máquina de lavar no apartamento, pois evitava um trabalho chato de lavá-los a mão. Durante a lavagem, localizou lençois limpos e fez a cama, com Marcela sobre ela.

Ainda de luvas, sobrepôs as mãos no pescoço dela e foi aumentando a pressão devagar. Gostava de sentir a respiração cedendo aos poucos, como uma dança lenta que está chegando ao fim. Sentia a mesma leveza dos dançarinos ao fim de uma valsa. A satisfação daquilo era impagável.

Antes de sair, lembrou-se de retirar os lençois da máquina e pendurá-los para não deixar rastros. Mesmo morando sozinha, era lógico que seu cadáver começaria a exalar cheiro em algum momento. Tudo precisava estar no lugar para que nada pudesse ligá-lo a ela.

Jogou fora o cigarro, antes mesmo do fim, e chamou o Uber para casa. O expediente começaria em 1 hora e precisava ainda tomar banho e passar a camisa. O cliente de hoje era importante e precisava estar em sua melhor aparência.

--

--