Nós não somos tão infinitos assim

Bárbara Rufino
Coletivo Metanoia
Published in
5 min readJul 1, 2021
Ícones feitos por Flaticon.com

Eu sempre soube que filmes mentiam em relação a adolescência e toda a suposta magia da idade. Era bem nítido quando eu via alguma série com adultos de trinta anos fingindo ter quinze e depois ia pra escola enfrentar mil aulas vagas e alguns colegas mal educados. Mas eu nunca pensei que não viveria nem essa realidade meio sem graça.

Quando somos mais novos temos essa mania besta de sempre imaginar que a idade seguinte vai ser melhor e que o ensino médio vai ser o ápice de toda uma adolescência cheia de aventuras, loucuras e momentos dignos de cena de filme.

O ensino médio chegou… E trouxe junto uma grande pandemia que mata quase duas mil pessoas por dia no meu país. Por isso todas as pessoas que podiam se trancaram em suas casas tentando salvar suas vidas de um vírus mortal. Deu certo pra mim, me trancar, mas isso não impediu que mais de centenas de milhares de pessoas perdessem o direito de respirar. E é extremamente confuso reclamar de qualquer coisa hoje sendo que você se encontra vivo. Porém eu vou fazer isso, já que eu estou indo para o segundo ano tendo como companhia apenas meus pais e meu quarto o dia todo, todos os dias.

Para mim, deveria ter diversas cores surgindo dentro de mim e eu deveria estar descobrindo novas tonalidades e me pintando inteira com elas, mas eu só consigo sentir ocre e cinza mesmo. Ou então, eu até consigo ver as cores primárias na minha frente mas eu não sei como misturá-las, e fica meio difícil fazer isso quando se tem um parente a cada cômodo e toda vez que se bota o pé pra fora de casa precisa-se usar álcool em gel antes de tocar alguém.

Todas as oportunidades possíveis de me encontrar com um roxo, rosa e verde, ou até o branco, se perde aqui, num misto de todas as outras experiências que meio que não vão acontecer.

Eu entrei nessa merda de pandemia com quinze anos e daqui uns onze meses eu vou fazer dezoito. De fato eu passei o “ápice da minha idade” trancada num quarto com a cara na frente de uma pequena tela conversando online com os poucos amigos que sobraram devido a distância. A maior loucura adolescente que fiz até então foi fazer brigadeiro de madrugada sem meus pais saberem e conseguir comprar uma latinha de bebida, sem identidade, para beber de uma vez só às duas da manhã, sozinha, curtindo a curta brisa que isso pode me proporcionar. Foi extremamente deprimente.

Minhas roupas meio que não me servem mais, eu não sei direito mais o que eu quero usar e a única coisa que eu consegui melhorar horrores nesse tempo foi meu delineado colorido e a habilidade de colocar glitter no rosto para assistir uma aula online… E ficar com muita vergonha de abrir a câmera, tirar foto ou fazer um mínimo stories se quer e acabar sendo a única pessoa que viu aquela produção feita.

O que antes era apenas uma foto para meus amigos verem virou a minha fonte principal, e única, de interação social com esse mundo escolar. Toda mensagem conta. Porque não vai ter uma aula presencial depois pra você explicar que aquele emoji que você usou era irônico. Você tem apenas uma chance de passar o que você quer dizer e se a pessoa não responder, não visualizar ou ignorar, mandar mais alguma coisa depois fica feio, e você simplesmente desiste de ter amigos e volta a tirar a foto de perfil pra ver se alguém se importa minimamente em saber se você está bem. A resposta disso também quase nunca é boa.

Eu sinto que envelheço anos toda sexta-feira a noite tomando leite com chocolate enquanto vejo algum filme de ação ruim na sala com meu pai (se bem que os dias que John Wick reprisa pela milésima não são tão ruins). A incerteza de quanto tempo mais eu vou precisar esperar pra poder voltar a viver minha vida é tão grande e complexa quanto a questão de que tipo de país eu terei me esperando quando tudo isso acabar.

Talvez eu saia nas ruas só quando já for adulta e toda esse final de adolescência seja apenas um borrão oco de experiências que vai me cobrar no futuro quando eu sentir que não fiz merda o suficiente. Talvez isso se torne um traço da minha personalidade, me fazendo viver sempre no limite porque o amanhã talvez de fato nunca chegue. Talvez eu ganhe um grande complexo de Peter Pan querendo não ter nenhum tipo de responsabilidade e negando quase por completo a vida adulta aos vinte e dois anos. Ou então eu só vou superar isso e entrar na faculdade sem poder ter aquele ano meio desastroso chamado “terceirão”.

As possíveis memórias do que poderia ser me visitam antes de dormir e todas as vezes que alguma música toca alto o meu fone de ouvido e eu esqueço um pouco da realidade e me coloco ali onde eu gostaria de estar, criando uma memória que nunca existiu. E que talvez nunca exista.

Eu chorei vendo High School Musical uma vez. Foi pelo filme em si, claro, mas também pelo final de fase que chegaria logo logo pra mim. Aquela coisa de olhar pra trás e sentir que quase toda uma vida já se passou e que a experiência inteira de estar na escola já foi embora. Porque mesmo que eu não tenha tido uma vivência perfeita e livre de problemáticas dentro de uma sala de aula, tudo isso importa. Meio que simboliza algo, sabe? A grande passagem para a vida adulta. O momento em que se deixa de ser estudante, com direito a passe livre, e se torna um desempregado sem dinheiro para pegar um ônibus.

Daqui alguns meses quando eu soprar velinhas de novo e ouvir incansavelmente “Cuidado! Agora com 18 anos você pode ser presa”, eu só vou pensar em que não houve um tempo onde eu não poderia ser. Me tranquei em casa muito nova pra ter coragem de fazer merda, e vou sair já com a responsabilidade de saber que a brincadeira não vai mais terminar na diretoria da escola. E é assim que eu me sinto, como se eu dormisse criança e acordasse adulta. Como se esse período de tempo, que já passa muito rápido naturalmente, tivesse sido um sopro. Como se a culpa fosse minha de não ter aproveitado melhor o que eu poderia fazer com uma máscara na cara e o risco de morte iminente por todos os lados.

Quando eu fizer dezoito eu quero ter aproveitado pelos alguns meses antes de “me tornar adulta”, eu quero poder andar nas ruas sem medo de chegar perto de ninguém, eu quero poder fazer merda, eu quero sair e voltar pra casa tarde, eu quero ir pro baile, eu quero ir pra resenha, eu quero beijar aquela pessoa esquisita da sala do lado. E, mais importante que tudo isso, quero estar viva para ver o atual presidente genocida cair.

--

--