Marina Jacob
Coletivo Metanoia
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3 min readMar 18, 2021

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Photo by Marvin Meyer on Unsplash

Encontro no bar

O som doce e encharcado vibrava por todos os lados do bar, penetrava fundo nas paredes de tijolinhos avermelhados e nas paredes de todos aqueles corações inconvenientes que ali bebiam. Inclusive o meu. Garrafas e taças assanhadas tilintavam sem nem saber por que. Uns quadros de artistas famosos pendurados nas paredes riam e piscavam pra mim, outros faziam caretas. Tantos rostos, tantos sucessos, tantos desgastes uivando ali naquele painel.

O borburinho de vozes misturado às canções de blues naquele bar massageavam meu espinhoso tédio após uma semana cansativa de trabalho. Ali era como entrar numa onda pacífica. Na escuridão líquida do bar, alguns se beijavam, outros bebiam, reclamavam, se aborreciam… E eu? O que mesmo lá eu fui fazer?

Ah! Só quis sair um pouco da asfixia do cartão de ponto, dos papéis, da burocracia. Eu bebia um uísque num canto à meia luz, sempre de olho no relógio e na porta de entrada. Esperava uma rapariga cujo nome não me lembro bem, anônima e fácil. Digo ‘fácil’ pois ela que sempre me ligava perguntando se podíamos nos ver, mesmo eu não a levando a sério. Mas até então, nada dela chegar.

Enquanto isto, eu mergulhava em minha calma solidão que começava a ficar ansiosa pelo encontro. Mais uma vez eu experimentava o desespero delicioso de viver sozinho e me veio à mente o personagem Harry Haller, do livro O lobo da Estepe. Um sujeito arredio, isolado, impulsivo, bêbado, crítico das antigas tradições e instituições, perdido na ignorância burguesa. Me sentia um tipo de ‘lobo da estepe’ meio homem, meio animal, com infinitas almas. Bem… eu pelo menos tinha um companheiro parecido comigo, isto já me dava certo ânimo.

As horas iam dançando enquanto eu esperava aquela presença feminina tomando meu uísque. Será que eu estaria virando múmia de pouco a pouco? Os ponteiros do relógio me davam fisgadas. Eu sabia que aquele seria só mais um encontro eufórico na minha rotina. Foram tantos amores dolorosos, separações. Eu preferia continuar só e ter a certeza disto, que viver pisando em areia movediça. Cansei de me afogar. Mesmo assim, como era bom uma fêmea entre os braços!

O murmúrio do bar trouxe-me lembranças súbitas de minhas ex-esposas. Como se assemelhavam em nobreza e angústia! Tinham prazer em cuidar de mim, da casa. Tremiam sossegadas no meu peito, pareciam suspirar de agradecimento, de um vazio, ou de mágoas tranquilas. Eu nem sei por que me ocorreu a lembrança delas naquela hora da noite. Entender as mulheres é tarefa impossível, quase. Talvez possam ser um pouco desvendadas, embora haver sempre um mistério rondando-as.

Uma nova música saltitou no ambiente escuro, esfumaçado. Um salto alto, uma saia curta surgiu no salão, logo à minha frente. Figura fascinante e desconhecida, pernas perigosas. Aquela não era a rapariga ‘fácil’ que eu já esperava há horas.

Seus olhos perturbados de júbilo se fixaram em mim. O que queriam? Solicitariam minha entrega, meu susto, meu suspiro sem rumo, algo além da minha atenção? Seu brilho me paralisou. Suspendi minhas lembranças e meu anseio pelo encontro com a rapariga. Tentei disfarçar meu embaraço, meu rosto encabulado, com mais uma pedra de gelo e um gole. Eu já pensava comigo no que eu a daria: uma rosa, um tambor, um drink, um beijo galopante?

De repente eu a vi abruptamente beijar o dono do bar. Levantei o copo e brindei ao desconhecido. Fiquei ali quieto com meu sorriso de barro sem graça e sem destino. E acabei a noite sozinho, como um dos dias normais de trabalho. Estes eram meus relacionamentos na meia idade dos 50 anos.

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Marina Jacob
Coletivo Metanoia

Amo ler, viajo, me redescubro, imenso prazer. Professora de Português no Ensino Fundamental, moro em Cel. Fabriciano, MG