Orca, a baleia assassina

Eveline Santos
Coletivo Metanoia
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3 min readOct 14, 2020
Foto: Andre Estevez

Não é como se eles fossem felizes ou coisa assim. Quem pode viver feliz passando quase o tempo todo com medo? Minuto após minuto apenas procurando comida e se escondendo. E ainda assim eles tinham conseguido fazer um filho. Uma criança que ia nascer em breve, para sofrer junto com os dois.

A verdade é que em todos os sete mares não havia uma só alma feliz. Não se você fosse um animal. Os humanos atacavam por cima, com suas embarcações velozes e seus arpões recheados de explosivos. Dentro da água, eles tinham enfiado os sonares. Um barulho insuportável, que desestabilizava o mundo de um cetáceo por completo. Eles ficavam confusos, não conseguiam se orientar, muito menos se comunicar. O cérebro parecia inchar e a cabeça seguia latejando por dias e dias mesmo depois de se afastarem dos ruídos.

Foi por causa de um sonar que eles não conseguiram ver o perigo. Tentaram fugir. Afinal, é o que todo animal pode fazer, não é? Só pode fugir e fugir, torcendo para que os humanos se cansem. Mas era tarde demais. Ele assistiu a tudo. A companheira agonizando, sendo içada enquanto seu sangue escorria. Não era a primeira vez que via alguém amado se esvair lentamente enquanto os caçadores comemoravam. Era isso que os homens faziam sempre. Era como se não soubessem que elas, as baleias, também queriam viver.

“Nós também matamos outros animais. Mas não fazemos das vidas deles um inferno, não caçamos dia e noite até que todos estejam mortos, se esvaindo. Nós não ficamos felizes por matar, nós não acumulamos corpos e seus retalhos”, ele pensou. E então veio o estrondo. Aconteceu aquilo que nem mesmo ele esperava. O bebê caiu de dentro do corpo da fêmea, da sua companheira, da sua melhor amiga. Os humanos, por incrível que pareça, se assustaram. Tremeram, gritaram nervosos, entraram em pânico.

Por que eles ficaram tão incomodados? Ele sabia que os humanos não tinham pena de nenhuma orca, nem mesmo das bebês. Que família de orca não tinha perdido pelo menos uma criança? Era sempre o mesmo ritual. Dezenas de barcos cercavam o grupo, jogavam bombas na água, deixando a todos atordoados e depois isolavam um filhote, que nunca mais seria visto.

O caso então era com os fetos? Era das orcas não nascidas que eles tinham pena? Então, não havia nenhuma esperança, porque as baleias não podiam apenas colocar seus fetos na areia da praia e esperar que com essa visão os humanos passassem a ser “piedosos”.

A família tentou consolar o animal. Mas ele estava cansado de apenas aceitar. Talvez fosse a hora daqueles animais que andavam em cima de duas pernas entenderem algumas coisas. Se continuavam fazendo de conta que as orcas eram meros objetos a serem destroçados para servir de comida, combustível e até mesmo de remédios que nada valiam, então havia chegado o momento de mostrar que elas tinham sentimentos. Claro que ninguém venceria os humanos com amor. Era preciso duelar no único campo de batalha que os homo sapiens sapiens conheciam: o ódio.

Foi assim que ele arquitetou sua vingança. Ia enfrentar aquele humano de pele descorada, cabelos amarelos. Ia fazer o inferno. Assim foi… Atacou barcos, destruiu casas, flutuantes… Onde quer que conseguisse chegar, levava seu rancor e sua fúria.

“Nada disso vai acabar bem”, o ancião do grupo disse, fazendo um último esforço de demovê-lo do plano. “Você acha que vai conseguir o que? Você vai acabar morrendo também! Nós não precisamos de menos uma Orca no oceano. Você sabe que não vai vencer, não sabe?”

Ele sabia que não poderia vencer. Não agora. Não do jeito que todos esperavam. Ele estava indo justamente para ser derrotado. “Eu sei. Eu vou morrer. É assim que eu vou vencer”.

Sentiu as vibrações confusas que emanavam do ancião. Olhou ao redor, olhou para a vida miserável que ia abandonar e concluiu que seu projeto era bom. “Nós temos que deixar eles pensarem que são deuses, temos que deixar eles pensarem que podem controlar tudo que vive sobre a Terra, que podem matar todos os animais, contaminar todos os mares, destruir cada planta. Eles têm que acreditar que estão acima de todos. Talvez demore um pouco, mas, mais dia menos, dia, eles próprios vão acabar se matando, de fome, de sede, de calor… Não importa…. Tudo que importa é que vão sofrer tanto quanto nós”.

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Eveline Santos
Coletivo Metanoia

Ainda em busca da frase de impacto ideal para convencer as pessoas de que sou relevante e mereço ser amada.