Prisioneiros

Rene Spoladore
Coletivo Metanoia
Published in
3 min readJun 2, 2021
Foto por Elia Pellegrini

Ela ergueu a cabeça e observou o céu, em seus olhos a esperança era clara. Seus pensamentos a deixavam inquieta, como uma coceira em um lugar em que seus dedos não alcançavam. Pensava nele todas as noites quando olhava para as estrelas. Ele, que poderia tirá-la da prisão que era sua vida na Terra.

- Só mais um dia — dizia a si mesmo todos os dias.

Só mais um dia e receberia a notícia que tanto esperava.

Ele olhou para baixo e sentiu o coração apertado no peito. Não conseguia pensar em nada além do rosto dela. Todos, lá embaixo, contavam com ele, mas falhou. Observou o negrume do espaço que pareceu tentar engoli-lo. Prisioneiro de sua própria falha agora não tinha para onde ir.

- Só mais uma hora — disse a si mesmo enquanto checou o mostrador em seu pulso.

Só mais uma hora e não teria mais tempo algum.

De onde ela estava as coisas não pareciam tão ruins. Os dias estavam muito mais quentes que o normal, mas era suportável. O céu agora tinha um tom de púrpura, mas já estava acostumada com essa mudança.

- Pagamos pelo o que fizemos.

De onde ele estava a Terra não parecia ter chance de sobreviver nem mais um dia. As nuvens avermelhadas, a pequena porção de água arroxeada. Tudo contribuia para a aparência doente do planeta. Há quem dissesse que a natureza iria dar o troco, mas parece que a humanidade conseguiu, mais uma vez, ir longe demais.

- Pagamos pelo o que fizemos.

Ela sentia falta de ir à praia, mas agora quase não havia oceano. Mostrando total desdém pela natureza, as grandes corporações criaram estradas que iam das Américas até a Europa. Que belo jeito de mostrar quem é que manda. Cada centavo economizado era uma porção do planeta que era envenenada.

- Ao menos você está aí em cima, longe dessa ganância.

Agora quase não havia oxigênio em seu traje e em alguns minutos não haveria nenhum oxigênio. Nunca pensou que uma missão simples poderia acabar com ele próprio solto no vazio, à deriva. Olhou para a Terra e pensou em como a missão era falha desde o início. As grandes empresas levando a humanidade para outro planeta com condições similares à da Terra e que dessa vez iriam cuidar do novo lar. Mentira. Iriam destruir outro planeta, isso sim.

- Ao menos você não está aqui em cima, frente a frente com toda essa ganância.

Um alerta era emitido por um caminhão do exército. Ela se debruçou na janela e ouviu a mensagem que trazia apenas perdição. Mais uma nuvem de poeira tóxica estava a caminho e seria seguida de uma chuva de detritos. Ela odiava quando chovia, era como se sangue caísse do céu. Ela esperou na porta de sua casa, aguardou os militares recolherem as pessoas para os abrigos, mas isso não aconteceu. O anúncio do exército também dizia que não havia mais suprimentos para os civis e apenas aqueles que pagaram a taxa de proteção seriam levados.

- Acho que nunca mais vamos nos ver. Espero que nada de ruim tenha acontecido com você.

Ela olhou uma última vez para o céu e deu uma risadinha ao pensar que essa era sua pena na prisão que a humanidade construiu. Pena de morte.

Um alerta soou baixo em seu capacete. Ele não deu muita atenção, pois já sabia do que se tratava. Seu oxigênio estava no fim, iria respirar CO2 e então iria desmaiar. Ao menos não sofreria. Seu último vislumbre da Terra foi uma pequena onda avermelhada viajando muito rápido. Ele sabia que ia em direção à ela e não havia nada o que fazer.

- Acho que nunca mais vamos nos ver. Espero que você esteja no comboio em direção ao abrigo.

Aquele traje era sua última fonte de ar e sua prisão mortal ao mesmo tempo. Ele desmaiou e a última coisa que viu foi o planeta que um dia fora azul e agora tinha cor de morte e doença.

--

--