A Fogueira

Fernando DaLua
Coletivo Selo Povo
Published in
2 min readJun 29, 2016

Ele caminhava em mais uma noite fria de inverno quando ao virar a esquina se deparou com uma bela fogueira que iluminava todo o quarteirão.
A cada passo em direção daquela bolha de calor, se concentrava em cada detalhe daquilo que queimava: era lenha, madeira, um braço de sofá, porta de guarda roupa, pedaço de mesa, colchão, oxigênio e estórias que cada resto de móvel viu acontecer. Aquele almoço em família numa tarde de domingo, o enlace de um casal apaixonado e noites de sonhos que não serão realizados, junto com as roupas velhas que não mais guardava.

Resolveu ali parar para lhe aquecer e observar o fogo queimar.
Tirou um baseado do bolso, acendeu e se sentou na calçada. A cada vento frio que batia, fagulhas se perdiam na fumaça que se misturava ao do cigarro que juntas sumiam em meio a neblina.

Os estalos da madeira queimando fazia a trilha sonora daquele momento. Era só ele e o fogo. As fagulhas o hipnotizavam feito vaga-lumes vermelhos alaranjados que piscavam no balé da chama que ardia, brigando contra o vento que soprava sem dó, e que junto com a garoa fina tentava e tentava apagar aquela fogueira que resistia enquanto ele, estático, tragava e refletia.
Pensou em como um dia tudo acaba e vira cinzas. O que fica são só os momentos gravados na história. O material se perde e o que marca fica na memória.

Notou também que o mesmo vento que tentava apagar, alimentava o fogo que em troca aquecia o vento da garoa fina e, como retribuição, o vento reunia a fumaça e a levava para longe, junto da fuligem.
Entendeu que há troca mesmo num combate entre forças opostas e que numa briga nem sempre vence um só, é possível que os dois vençam, se unirem suas forças. Investindo suas forças um contra o outro, ganha só um, aquele que aguentar apanhar mais daquele que cansar de bater.
Depois disso, pegou a ponta, atirou-a na fogueira como oferenda aos elementos ar e fogo e olhou para o céu.

Era possível ver os feixes de luz dos postes iluminando a neblina enfumaçada. Não viu a lua, mas sentia que ela estava ali, escondida, assistindo a tudo por cima de seus cobertores de nuvens.
O fogo resistiu até onde pôde, até que enfim se apagou se desfazendo em brasas em meio a cinzas.
O vento, embora vencedor da batalha parou de soprar de tão frio e pesado que ficara.

Ele olhou de volta para a fogueira, sorriu, vestiu o capuz e partiu carregando o fogo no coração e o vento no pulmão até se perder em meio a neblina.

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