Era uma vez menino Pedro

Toque de Recolher

Fernando DaLua
Coletivo Selo Povo
3 min readJul 23, 2016

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A semana começa com mais uma baixa pro exército sanguinário do estado.
Dessa vez, sem farda, como cidadão que também é mas as vezes se esquece, perdeu a vida na frente do filho, que aguardava ansioso pela pescaria com o pai, mas, uma dupla de assaltantes descolou que a vítima, armada, era da PM e um único e certeiro tiro na cabeça encerrou ali a vida de mais um policial, que era pai em dias de folga…

Pedro não viu, ouviu, já no outro dia, uns buxixos no busão lotado enquanto se espremia a caminho do trabalho. Ficou sabendo com mais detalhes no almoço, assistindo a um programa policial vespertino que exibe a morte como menu principal enquanto tentava digerir o omelete seco do PF no boteco apelidado de ‘o sujinho’, contando o tempo pelas mordidas, para não se atrasar no retorno ao trabalho.
E entre uma mordida e outra, Pedro pensa nas consequências que aquele crime, em sua quebrada, podem trazer.
Fica preocupado, o serviço já não rende mais, o caminho de volta parece ter ficado mais longe e o trânsito, pior.
Se lembra da região de Osasco, ano passado onde quase 20 pessoas foram assassinadas e uma gota de suor escorre pelo seu rosto pardo e apático.
Quando a perua deixa a estrada do m boi mirim e adentra nas estreitas ruas da quebrada repara que os comércios estão fechados. Os bares, as praças e esquinas, vazias. Ninguém na frente das escolas.
A perua ao virar a esquina, quase bate na viatura que vinha toda apagada pela outra rua. O protocolo do medo havia sido adotado: ruas desertas e viaturas apagadas, sumindo e aparecendo em meio ao nada das ruas mal iluminadas.
A viatura passa devagar, com seus quatro ocupantes encarando cada um que está dentro da lotação. Ao cruzar de olhos entre um PM e Pedro, a sensação de sentir uma culpa que não é sua, faz Pedro abaixar a cabeça, com insegurança de ser confundido com qualquer outro jovem periférico marcado para morrer numa vingança de uma guerra sem fim.
Pedro desce no ponto, dá setenta e cinco longos e apressados passos que ecoa na rua vazia de uma cidade fantasma, refém em seus próprios lares.
Ao pisar dentro de sua casa, Pedro faz o sinal da cruz três vezes como forma de agradecimento por ter resistido a mais uma noite de terror e pela janela acompanha as tático móvel assombrando a quebrada a 10km/h.

Menino Pedro

E no meio de um assalto:
Apagam o cana
Mais um ciclo de violência
Motivado pela grana

E aqui na quebrada ninguém mais se engana
Já conhecem a gana
de quem mata em nome da fama

Somos sobreviventes da guerra pelo poder
Onde se mata sem nem mesmo saber o porque
Sem saber quem é…
Só por estar ali, em pé…
Na hora e no balcão errado
E já era, virou finado…

Esse soldado morto será vingado
Mais um carro preto, três mascarados
Gritando ‘Mão pro alto’
E uma série de disparos…

Eu já aprendi, é sempre assim que acontece
A chacina chega e as viatura desaparece
Enquanto isso, mais uma toda apagada, a rua desce…

É…eu sinto o medo na pele
Na pele negra de quem mesmo inocente, deve
Só por pertencer a plebe.
O pânico ta na rua, da pra ver
Sei o que está para acontecer…
Só tem uma coisa que eu, Pedro, posso fazer:
Pedir pra Deus a quebrada proteger

E esperar pelas noticias ao amanhecer…

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