Era uma vez menino Pedro

A concepção

Fernando DaLua
Coletivo Selo Povo
3 min readJun 24, 2016

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Pedro é mais um menino concebido na periferia, fruto de um oportuno romance desprotegido, em meio à pobreza e violência características do lado de cá das marginais.
Pedro ainda não sabe, mas sua mãe, com seu novo instinto materno percebe: dias difíceis virão...
Ela sabe que não é fácil ser mãe na periferia e mais ainda gestante. Ônibus cheios sem respeito ao assento reservado, pré-natal ralo oferecido pelas unidades BÁSICAS de saúde, a necessidade de se manter no emprego mesmo naqueles dias em que apenas respirar, enjoa...são apenas alguns exemplos do que a sociedade oferece a uma mulher pobre em sua mais nobre fase, a maternidade.
As vezes o único pensamento que sobra é o de desistir, poupar a si e principalmente a mais uma criança de sofrer por simplesmente nascer longe do centro e sem dinheiro, mas logo vem na mente o primeiro berro de vida depois dos gritos de dor, como se fosse um arco-iris após uma pesada tempestade.

E assim a ideia de morte se desfaz em vida.

Afinal, lá dentro está o menino Pedro, companheiro de luta de sua mãe que é guerreira, batalhadora que honra suas crias, quem acompanha, admira, se emociona. A força natural extraída do chão de terra batida a fortalece a cada dia. Ela ainda não sabe o nome do menino Pedro, não sabe nem o sexo, se é menino, ou menina...apesar de ter uma leve preferência para que seja menino - acredita que mulher sofre demais nessa vida - isso pouco importa, o enxoval doado é o que veste, não importa a cor, se é azul ou rosa.
O nome, o sexo e se virá com saúde, só saberá com o tempo, o único ultrasom a que tem direito pelo SUS, demora tanto que só é agendado pra depois do nascimento. Apesar das dificuldades, as meninas aprendem na prática como se fabrica uma criança antes de estudar a teoria, então a fila é grande. Foi assim com suas amigas, primas e conhecidas.

O pai?

O pai no começo ficou meio perdido:
- Mas eu? Pai? Não estou pronto...
Relutou até passar a observar mais as crianças a sua volta, e começou a sorrir ao ver crianças correndo pelos becos. Aos poucos foi se acostumando com a ideia, não tinha como voltar atrás, já havia se iniciado o processo da continuidade da sua vida e sentiu que deveria ser diferente, não podia ser pai ausente como a maioria de seus parceiros de rolê e boteco.
Passou a encarar a paternidade com compromisso, sabia que era preciso se esforçar para garantir que o futuro de sua cria fosse menos árido e mais florido. Assim, se interessou mais pelo lado social, precisava preparar o terreno para a chegada de sua prole.
Nem mãe, nem pai e muito menos o feto sabiam do que estavam formando e isso apenas contribuiu para que ignorassem os riscos, medos e receios que se tem ao por um filho nesse mundo tão hostil e injusto como o que viviam.
E foi no meio de tantas dúvidas, dificuldades e incertezas que o menino Pedro foi esperado por sua mãe Dona Poesia, e pelo seu pai, o pobre Poeta.

Prazer, meu nome é Pedro
Acompanho tudo desde cedo
Mesmo daqui de dentro
Observo a que estou sujeito

Muitos acompanham meu desenvolvimento...
Esperam tanto meu nascimento
Eu? Eu tenho medo...
Sinto falta do respeito

A sociedade desde feto
Já não me quer por perto
Me vê como um projeto
Daquilo que não deu certo

Julgam minha mãe como inconseqüente
Eu, como futuro delinquente
Discriminado desde o começo
Não tenho o cuidado que mereço

E desde cedo luto pra sobreviver
Chegar até o fim e nascer
Fazer o melhor que eu possa ser
Ser o futuro dessa gente que não cansa de sofrer

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