Era uma vez menino Pedro

O Nascimento

Fernando DaLua
Coletivo Selo Povo
3 min readJul 7, 2016

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Já era a terceira vez que Pedro ameaçava nascer. Seus pais já haviam decorado os procedimentos de entrada no hospital: senha, guichê 1, RG, etiqueta, passar pelo segurança, seguir linha amarela, elevador, primeiro andar, espera. ..
A demora para passar pelo médico e saber se, enfim, a tão esperada hora chegara ou se aquelas pontadas no pé da barriga eram só mais um outro alarme falso, deixava os futuros pais agoniados, ansiosos, preocupados e de semblantes cansados, sem saber notícias de suas esposas e filhos que estão prestes para chegar.
No alto da sala uma tv.
Meia tela mostrava o número da senha e o nome da futura mãe, na outra metade, programação normal da rede globo, sem som. O som que ecoava pelo primeiro andar do Hospital Municipal do M Boi Mirim, eram os gritos de dor de mulheres já em trabalho de parto.
O celular não tinha sinal. Nada para distrair ou entreter.
Uma atmosfera de terror e tortura para aqueles que aguardavam qualquer notícia de suas esposas, filhas, amigas, cunhadas...
Foram intermináveis horas de angústia e ansiedade até que, enfim, a notícia de que desta vez não eram contrações de treinamento e que Pedro estava a caminho. Sua mãe foi internada para aguardar a dilatação suficiente para um parto normal, preferência da mãe por ser natural, e do estado, por ser mais barato.
Uma noite inteira de gritos, dores e sofrimento. Não é fácil dar a luz ao menino Pedro...
O tempo passa e a dilatação não é o suficiente, é quando o parto humanizado passa a ser o parto forçado e a ocitocina sintética é aplicada na veia da mãe. Mais tarde, a bolsa é violentamente rasgada com a ponta do bisturi. A maternidade está lotada, o processo é acelerado, há mães aguardando a vaga.
Gritos de dor misturados com choro e tremores do corpo todo da mãe que segura com toda sua força o braço da cadeira, dá espaço ao choro rouco de vida de mais uma criança que a partir de agora terá um mundo hostil, confuso e desigual para desbravar: a periferia de São Paulo.
Era uma vez o menino Pedro...

E aí, firmeza? Nasci!
Não foi fácil chegar até aqui
Lutei, até onde pude, resisti

Tava meio assim de nascer
Lá de dentro já sabia que iria doer
Mas não me deixaram escolher
A fila tava grande, tinha que correr
Fui induzido, espremido, cê tinha que ver!

Desde já os caminhos são estreitos
A dilatação não chegou aos 10 dedos
Estouraram a bolsa e já me acusaram
A culpa era minha se não passava pelo buraco
Rasgaram a mamãe para abrir espaço
E logo cedo já conheci o esculacho

Senti medo, fome e frio
Logo vi que o mundão é hostil
Queria poder voltar, mas mamãe já me pariu
Fui pro colo dela e ela sorriu

Ai então eu senti que o amor é o escudo
Meus olhinhos ardem acostumado com o escuro
Na claridade tudo parece obscuro
Tenho medo de como será no futuro
Mas se é assim, eu to aqui, vim pro mundo

Eis-me aqui, da periferia oriundo
Mais um menino Pedro
Não sou o primeiro e nem serei o último!

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